São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006 |
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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO Epílogo dos monstros
"NOS LUZENTES" degraus
do trono excelso / Pomposos cortesãos o orgulho acurvam / A lisonja sagaz lhe
adoça os lábios; / O monstro da política se aterra / E, se Inês perseguia, Inês adora. "Bocage
Se Ricardo 3º tem por fonte mestra
Tomas Morus, precisam-se, nessa
tragédia, as evocações antigas, emblemas do tirano, que circulavam
na filosofia e nas artes. Em contraste com a beleza perfeita, a
completa feiúra ética e física de Ricardo vem de Platão; o corpo truncado, de membros discrepantes,
em formas inviáveis, remete às gêneses cósmicas de Empédocles; o
recém-nascido com dentes está
entre os desvios genéticos que, em
Aristóteles, relegam o homem à
generalidade animal; o parto difícil, com os pés para diante, é referido por Aulus Gellius. Cenários de
poder situam ou subjazem a esses
traços, recriados pelo poeta. Dessas veredas críticas, política e cultura tiram vida e autonomia, longe
do interesse fugaz.
No início dos tempos modernos,
muitos panfletos projetam no
monstro o poder abusivo. Nascimentos e corpos prodigiosos
(troncos sem cabeça, ou com várias, corpos duplos com uma só,
gêmeos siameses, misturas de homens e bichos) assinalam, na Reforma e contra-Reforma, as depravações da igreja romana ou a heresia da nova doutrina. A revolução
inglesa e a república foram férteis
em metáforas da monstruosidade,
marcando distúrbios psíquicos e
sócio-políticos, conexas a desordens naturais: guerra, censura, covardia, traição, cupidez, orgulho,
usura, avareza, blasfêmia, desdém
à lei, pragas, tempestades, dilúvios.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às quintas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: As portas da corrupção Próximo Texto: Frases Índice |
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