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BORIS FAUSTO
Contra a corrente
Hesitei muito em escrever essas
linhas, mas recebi um incentivo
de forma inesperada. À espera de uma
consulta médica, li numa revista, que
só folheio nessas circunstâncias, opiniões sobre as festas natalinas. Ao lado
de muitas banalidades, encontrei o
depoimento de um jovem radialista,
que afirmava abertamente que, nesse
período, gostaria de dormir aí pelo dia
20 de novembro e acordar no começo
do ano. Ele trata de descartar como
explicação o pessimismo e o desinteresse por confraternizar-se com pessoas diversas e indica razões bem outras para o desejo de adormecimento
-que me são familiares.
Cada vez mais, em nossa sociedade,
o chamado "espírito natalino" corresponde a uma manifestação artificial,
banalizada e potenciada pelos interesses entrelaçados da mídia e do comércio. O ritual de tempos passados cedeu
lugar ao estereótipo e ao cumprimento de obrigações, em que a espontaneidade praticamente desapareceu.
Somos forçados a ver e a ouvir pela televisão locutores de voz grave e pastosa repetindo frases retóricas, reproduzidas identicamente todos os anos. Somos forçados a receber votos de "feliz
Natal e bom Ano Novo", ou algo assim, por parte de cantores, de atores
ou de atrizes que nos iludem com uma
intimidade inexistente.
Há também a romaria em busca das
"dádivas obrigatórias", que representam um esforço físico adicional, empurrando-nos para os lotados templos
do consumo, onde as pessoas suadas
cumprem automaticamente mais um
dever em meio aos múltiplos deveres
cotidianos.
Há ainda os jantares alimentarmente excessivos e afetivamente contraditórios. Concedo que os hinos à culinária propiciem o encontro com amigos
e com outras pessoas interessantes
que quase não vemos ao longo do ano.
Mas, ao lado dessa circunstância positiva, somos obrigados a encontrar parentes com os quais nada temos a ver
ou personagens estranhos que tentam
nos envolver em conversas inoportunas ou triviais sobre o neoliberalismo,
os transgênicos, o governo Lula e, inevitavelmente, as agruras e as delícias
do verão.
Tudo isso sem falar nos cartões protocolares, que me causam uma ponta
de remorso. Nunca os envio por antecipação e fico com a impressão de que,
em alguns casos, deveria fazê-lo. Resta
a alternativa de responder a todos, caprichando na variação das frases.
Então, indagariam as boas almas,
você está renegando os princípios de
tolerância e de fraternidade que presidem esses dias? Você está esquecendo
o que o Natal representa para as crianças e para os desvalidos? De modo nenhum. Estou criticando, sim, a hipocrisia contida na manipulação de
princípios que deveriam valer para o
ano todo, por mais difícil que seja alcançar a sua realização.
A esta altura, nadando de braçada
contra a corrente, paro um momento
para pensar como me sentiria se fosse
possível dormir e acordar em 2 de janeiro. Confesso que senti um vazio me
levando à perda da capacidade argumentativa. Hora de deixá-la de lado e
de desejar a todos um feliz Ano Novo.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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