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IGOR GIELOW
Tintim em Bagdá
EM TODA a Europa, 2007 será
marcado por eventos comemorativos ao centenário de
nascimento do cartunista belga
Hergé, morto em 1983. Pai de Tintim, o jovem repórter que cruza os
continentes atrás de aventuras,
Hergé nem sempre foi celebrado
nos meios intelectuais, a despeito
do sucesso de público.
Sua obra foi alvo de críticas, geralmente mas não só à esquerda,
devido ao tom indisfarçadamente
eurocêntrico e colonialista de algumas das tramas em que Tintim se
envolvia, em especial no início da
carreira -há notáveis exceções, como "O Lótus Azul". Havia sempre
uma lição "européia" no paternalismo do repórter. Abundavam estereótipos: árabes traficantes de
negros, que por sua vez eram muçulmanos ignorantes em sua fé,
banqueiros judeus.
O emprego de Hergé num jornal
colaboracionista nazista na Bélgica
ocupada lhe rendeu fama de fascista e anti-semita. Um certo exagero,
que ignora caricaturas do fascismo
em obras como "O Cetro de Ottokar". No geral, havia mais ironia
que preconceito nas descrições.
Tintim nunca fez grande sucesso
nos Estados Unidos. A idéia do civilizador branco não é cara à América, e isso está trazendo grandes
conflitos neste começo de século,
no qual apenas um império realmente conta. Não é incidental que
parta de europeus, como o historiador britânico Niall Ferguson,
a demanda para que Washington
abrace um imperialismo à la
século 19.
Em "O Grande Bazar Ferroviário" (1975), o americano Paul Theroux já ressaltava como seus compatriotas não se interessavam em
preservar a estrutura colonial francesa no Vietnã, e que chamá-los de
imperialistas era "baboseira inexata". Já em "The Places in Between"
(2004, não publicado no Brasil),
outro magnífico relato de viagem, o
diplomata britânico Rory Stewart
demonstra como o Ocidente não
tem idéia do que está fazendo no
Afeganistão.
O caso iraquiano é exemplar.
Saddam Hussein será (ou já foi) enforcado em Bagdá de forma secreta, como que envergonhada -ora, o
enforcamento surgiu na vizinha
Pérsia para dar exemplos públicos.
Não é o caso de defender o ex-ditador, mas cabe perguntar: qual será
o efeito de sua morte? O Iraque é
uma invenção do imperialismo à
antiga inglês, e o neocolonialismo
descompromissado dos EUA não
sabe como se livrar do problema. E
o está ampliando.
Neste ambiente em que o império reluta, é significativo que a
coadjuvante Europa festeje Hergé
e absolva seu surtos colonialistas.
A defesa de que era um homem de
seu tempo lhe basta. Talvez um dia,
dependendo do que ocorrer no Iraque, também baste a Saddam, apesar de ele ser um criminoso de
verdade.
IGOR GIELOW é secretário de Redação da Sucursal de
Brasília.
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