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JOÃO SAYAD
Educação sentimental
Do Império ao Estado Novo, a
elite brasileira estudou direito e o
Brasil era o país dos bacharéis. A partir
dos governos militares de 64, a economia substituiu o direito. Atualmente, a
elite estuda finanças e técnicas de administração.Todos têm MBA.
Como deveria ser a educação da elite
brasileira -empresários, líderes sindicais, servidores públicos,prefeitos,
governadores e presidentes?
Cada país tem uma tradição. Na
França, Escolas Normais e as "Grandes Écoles". Nos Estados Unidos,
Bush 1 e 2 além de Clinton passaram
por Yale. No Brasil, muitos passaram
pela São Francisco, pela Universidade
do Brasil, Direito de Recife, Minas de
Ouro Preto.
A resposta depende de como o mundo de fato é.
O mundo pode ser o "Primeiro
Mundo" visto pelos turistas que vão a
França, Itália, Espanha ou Inglaterra.
Organizado, democrático, limpo, saudável, baixa inflação e desemprego
apenas "natural".
O Brasil e o Terceiro Mundo estariam "atrasados" em relação ao "jardim europeu" apenas porque fomos
descobertos ou "civilizados" um pouco mais tarde. Tudo o que precisaríamos fazer é ensinar índios, negros e
caipiras a se comportar bem -entrar
na fila, não aumentar preços e calcular
taxas internas de retorno. Se esse for o
caso, a elite está tendo a educação adequada.
E se o mundo for diferente? Democracia, estabilidade econômica e paz
são eventos pouco prováveis. Instituicões são frágeis relativamente às tensões que precisam suportar. No século
20, houve apenas o intervalo de uma
geração entre as guerras Há apenas 65
anos a França ocupada entregava judeus aos carrascos nazistas. Há 70
anos a Espanha se matava em guerra
civil. A minha geração de brasileiros
viveu a repressão e a tortura. A geração das minhas filhas vive entre traficantes de drogas e seqüestradores. O
século 21 começa com falência do Estado no Haiti, genocídio no Sudão,
guerra no Iraque, Afeganistão, Israel e
os palestinos.
Se o mundo for assim, caótico e instável, as elites deveriam estudar humanidades -filosofia, história, literatura, arte e música. Ler a Bíblia, "Ilíada", "Odisséia", as tragédias gregas,
santo Agostinho, a "Divina Comédia",
Shakespeare e Freud. Ouvir óperas
com atenção respeitosa aos libretos
melodramáticos sobre amores impossíveis, pais que casam com as noivas
dos filhos, vaidade e rivalidade.
As escolas de elite formariam especialistas em gente, isto é, em desejos,
que como todos os desejos que não
podem ser satisfeitos. Seria uma elite
de dirigentes com a sabedoria do Caetano Velloso ao escrever "de perto,
ninguém é normal". E a consciência
clara de que Estado, partido, ONG,
empresa e clube são como as famílias
de Agamenon, Hamlet ou Don Carlos,
unidas por reação química instável de
amor e ódio.
Com essa formação, a elite estaria
preparada para liderar e tratar racionalmente de crescimento, pobreza, inflação e desemprego. Nunca mais escreveria uma ata do Copom como a da
semana passada.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net
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