São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

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JOÃO SAYAD

Educação sentimental

Do Império ao Estado Novo, a elite brasileira estudou direito e o Brasil era o país dos bacharéis. A partir dos governos militares de 64, a economia substituiu o direito. Atualmente, a elite estuda finanças e técnicas de administração.Todos têm MBA.
Como deveria ser a educação da elite brasileira -empresários, líderes sindicais, servidores públicos,prefeitos, governadores e presidentes?
Cada país tem uma tradição. Na França, Escolas Normais e as "Grandes Écoles". Nos Estados Unidos, Bush 1 e 2 além de Clinton passaram por Yale. No Brasil, muitos passaram pela São Francisco, pela Universidade do Brasil, Direito de Recife, Minas de Ouro Preto.
A resposta depende de como o mundo de fato é.
O mundo pode ser o "Primeiro Mundo" visto pelos turistas que vão a França, Itália, Espanha ou Inglaterra. Organizado, democrático, limpo, saudável, baixa inflação e desemprego apenas "natural".
O Brasil e o Terceiro Mundo estariam "atrasados" em relação ao "jardim europeu" apenas porque fomos descobertos ou "civilizados" um pouco mais tarde. Tudo o que precisaríamos fazer é ensinar índios, negros e caipiras a se comportar bem -entrar na fila, não aumentar preços e calcular taxas internas de retorno. Se esse for o caso, a elite está tendo a educação adequada.
E se o mundo for diferente? Democracia, estabilidade econômica e paz são eventos pouco prováveis. Instituicões são frágeis relativamente às tensões que precisam suportar. No século 20, houve apenas o intervalo de uma geração entre as guerras Há apenas 65 anos a França ocupada entregava judeus aos carrascos nazistas. Há 70 anos a Espanha se matava em guerra civil. A minha geração de brasileiros viveu a repressão e a tortura. A geração das minhas filhas vive entre traficantes de drogas e seqüestradores. O século 21 começa com falência do Estado no Haiti, genocídio no Sudão, guerra no Iraque, Afeganistão, Israel e os palestinos.
Se o mundo for assim, caótico e instável, as elites deveriam estudar humanidades -filosofia, história, literatura, arte e música. Ler a Bíblia, "Ilíada", "Odisséia", as tragédias gregas, santo Agostinho, a "Divina Comédia", Shakespeare e Freud. Ouvir óperas com atenção respeitosa aos libretos melodramáticos sobre amores impossíveis, pais que casam com as noivas dos filhos, vaidade e rivalidade.
As escolas de elite formariam especialistas em gente, isto é, em desejos, que como todos os desejos que não podem ser satisfeitos. Seria uma elite de dirigentes com a sabedoria do Caetano Velloso ao escrever "de perto, ninguém é normal". E a consciência clara de que Estado, partido, ONG, empresa e clube são como as famílias de Agamenon, Hamlet ou Don Carlos, unidas por reação química instável de amor e ódio.
Com essa formação, a elite estaria preparada para liderar e tratar racionalmente de crescimento, pobreza, inflação e desemprego. Nunca mais escreveria uma ata do Copom como a da semana passada.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

E-mail: jsayad@attglobal.net


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