São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mercosul: teoria e prática

RUY ALTENFELDER


O Mercosul não é um capricho de governantes, ou mais um exercício de diplomacia


Conheço o cidadão Luiz Fernando Furlan desde 1980. Convivi com ele na direção do sistema Fiesp-Ciesp. Aprendi a admirar, entre suas qualidades, a conduta ética, a lealdade, a dedicação ao trabalho e o espírito público. Por isso, não me surpreendi com a recente entrevista em que o ministro do Desenvolvimento do governo Lula fez declarações objetivas, precisas e oportunas: 1) o real precisa ser desvalorizado para empurrar as exportações; 2) os juros altos são ineficientes no ataque à alta dos preços administrados; 3) o Mercosul tem de ser revisto e as transgressões dos argentinos têm limite; 4) as negociações comerciais do Brasil têm de conquistar prioritariamente o mercado dos países ricos, que é o que conta, e não o dos países pobres. Concordando com o ministro Furlan, vou me ater ao terceiro ponto, referente ao Mercosul.
A eliminação das fronteiras econômicas mexe duplamente com o nosso imaginário. Ela contraria posições atávicas entranhadas pela tradição e pelo hábito, já que a idéia de nação está fundada na solidez da identidade e na segurança do território. Mas, ao mesmo tempo, a integração dos mercados cumpre anseios de uma confraternização planetária, sonho antigo perseguido pelo homem.
Essa duplicidade, longe de nos atemorizar, deve servir de estímulo. Pois a globalização da economia não descaracteriza o perfil nacional, antes o fortalece, à medida que permite alavancar o desenvolvimento social, gerando mais empregos e distribuindo riquezas. A eliminação das barreiras entre os países, ao mesmo tempo, costuma ter impacto benéfico na rotina dos povos.
O Mercosul não é um capricho de governantes, ou mais um exercício de diplomacia. É uma experiência que, ao mexer com posturas arraigadas, impõe uma nova estratégia para o conjunto da sociedade. Para a comunidade empresarial, é um teste definitivo. Pela natureza de suas funções, de múltiplos desdobramentos em todo o tecido social, o empresário precisa ser um preparado agente de mudanças.
Entre as muitas culturas que devem ser erradicadas, a do casuísmo é a mais urgente. Não podemos sonhar, por exemplo, com ganhos significativos em uma primeira etapa, já que é necessário adaptar-se, o que talvez signifique perder provisoriamente. Precisamos abandonar posições cômodas, geradoras de decisões enganosas. Devemos pensar a médio e longo prazo, quando todos ganharão.
Com visão estratégica, a livre iniciativa poderá viabilizar o tratado, a partir da discussão séria e franca dos pontos de conflito que ainda amarram as rotinas dos países envolvidos a uma série de heranças mal resolvidas. Estamos tentando transpor obstáculos enormes, que só o trabalho árduo e o engajamento poderão eliminar.
A globalização não implica apenas harmonização e parceria. O oportunismo encontra chances de se multiplicar se não forem tomadas as providências necessárias. Não podemos permitir que produtos de outra origem usufruam das vantagens estabelecidas entre os membros do Mercosul, sob pena de contrariarmos a própria natureza da integração como instrumento de fortalecimento dos nossos países. Temos de evitar o risco de sucateamento de segmentos inteiros, exercendo e exigindo princípios de lealdade no livre comércio. Nesse aspecto, a definição das normas de origem é um importante instrumento para resolver o problema. É preciso cuidar das diferenças internas do Mercosul, que, por motivos econômicos e históricos, representam dificuldades aparentemente intransponíveis. A defasagem macroeconômica entre os países é a principal delas.
A intervenção da sociedade deve apontar para a definição de regras claras, sem medidas restritivas, com fiscalização rigorosa e mecanismos sérios de acompanhamento.
O objetivo do Mercosul é exatamente proporcionar aos seus integrantes o desenvolvimento de um mercado comum mais competitivo, com produtos tecnologicamente mais aprimorados.
A abertura do mercado internacional faz com que se aprimore a economia de mercado, pois o produto importado em condições normais virou um parâmetro para o mercado.
O Mercosul está fundado na reciprocidade de direitos e obrigações. Harmonizar as políticas social, industrial, educacional, tributária, trabalhista, entre muitas outras, está exigindo um grande esforço. O êxito da integração depende, em grande parte, da solução de questões estruturais, como a desregulamentação da economia, a redução do tamanho do Estado, o ajuste fiscal, entre outras medidas. Não devemos encarar as reformas como fatos fora no nosso círculo de atividades. É preciso desenvolver estratégias, incorporando o Mercosul na nossa pauta de preocupações.
Precisamos resolver tudo na prática, no dia-a-dia, para que as boas intenções não se transformem em letra morta. Guardadas as devidas proporções, podemos lembrar a declaração do presidente John Kennedy, nos anos 60, sobre a corrida espacial. Ele advertiu os americanos de que a missão de enviar um homem à lua até o final da década deveria ser cumprida, não porque fosse fácil, mas exatamente porque era difícil.
Esse é um dos exemplos que a história nos inspira.
Ruy Martins Altenfelder Silva, 65, advogado, é presidente do Centro de Estudos Avançados e Estratégicos do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo). Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001-2002).

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