São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 1998

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As filas de saúde

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

É duro para o nosso coração saber que, nas madrugadas, há longas filas diante dos postos ambulatoriais e centros de saúde. Infelizmente, o quadro se repete nas várias regiões do país. Acaba de ser publicado, nesta semana, uma reportagem em Belo Horizonte, descrevendo a aflição de 6.000 pessoas aguardando atendimento no laboratório de patologia clínica.
Nosso povo simples sofre demais. Alguns enfrentam a noite toda para obter a senha. São mães com filhos no colo, pessoas idosas e, muitas vezes, vindos de longe. Ficam de pé ou sentadas na calçada, à espera do nascer do dia e da abertura dos centros. O pior é quando as senhas terminam e as pessoas, após longa espera, ficam sem atendimento.
Os municípios do interior não conseguem oferecer serviços especializados à população. Os casos são encaminhados às capitais. Por exemplo, em Belo Horizonte, a rotina de atendimento abrange mais de 400 municípios em busca de consultas.
Há várias causas que explicam a precariedade do atual sistema de saúde em benefício do povo desnutrido e doentio. É insuficiente o teto orçamentário fixado para os serviços de saúde no país. Resulta daí a falta de bons hospitais no interior dos Estados e, em consequência, a sobrecarga de serviços para os centros médicos das cidades maiores.
Além disso, o SUS não retribui, de modo digno, as consultas especializadas, o que desestimula os profissionais e intensifica a preferência por serviços particulares inacessíveis ao povo pobre. Acrescento três elementos que agravam o sofrimento da população na área de saúde: 1) é o desconforto dos pobres que precisam viajar para as grandes cidades, enfrentando o gasto e o cansaço do percurso e, não raro, desabrigo da noite; 2) a grande dificuldade, especialmente para os idosos, na compra de remédios com os quais consomem boa parte da aposentadoria; 3) a falta de acompanhamento médico no decurso da doença.
Fico triste ao pensar nos vultuosos gastos que muitos brasileiros e até as prefeituras -sem discernimento- farão nos dias de Carnaval.
Não coloco em dúvida a intenção dos responsáveis da saúde para equacionar melhor o atendimento à população. Desejo, no entanto, constatar que se requer mais do que boa vontade para aliviar o sofrimento do povo. É necessário uma programação articulada entre os vários níveis de governo e as organizações não-governamentais para uma mudança rápida e eficiente nos cuidados da saúde; tratamento de água, orientações de medicina preventiva e alternativa, apoio às ações básicas da pastoral da criança.
Precisamos de uma política corajosa para dar prioridade à saúde e distribuir as unidades de atendimento médico nos pontos nevrálgicos dos Estados, promovendo, ao mesmo tempo, melhores serviços nos centros de saúde das pequenas localidades.
As filas desumanas precisam terminar e dar lugar a um atendimento humanitário à população de baixa renda. Só assim poderemos cumprir o mandamento de Jesus Cristo. Ele, bom samaritano, foi ao encontro do desvalido e deu-nos a todos exemplo de como tratar, com amor, os irmãos e irmãs que padecem necessidade.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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