São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2000


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A nova economia chega à Europa


Qualquer empresa que não tenha "ponto com" em seu nome parece estar fadada ao fracasso


RUDIGER DORNBUSCH

Os economistas estão fazendo tudo o que podem para tentar compreender e explicar as razões do boom recorde da economia norte-americana. Apesar de oito anos de crescimento, ainda não se vêem sinais de alta na inflação nos EUA. Ademais, ninguém no país parece estar preocupado com a economia tradicional; tudo é a "nova economia": internetizar-se ou morrer.
Os investidores americanos tradicionais não conseguem explicar por que os lucros das empresas de repente deixaram de servir como base de previsão quanto ao desempenho de suas ações. Qualquer empresa que não tenha "ponto com" em seu nome parece estar fadada ao fracasso. Crie um vínculo com a nova economia e você só pode crescer; atenha-se aos costumes da "velha economia" e suas ações viram lixo.
Os gurus da velha escola afirmam que toda essa prosperidade sem lucros não poderá durar para sempre e que, brevemente, as Bolsas vão recobrar o bom senso. Quando isso acontecer, o glamour do longo boom norte-americano vai desaparecer e a idéia da dita nova economia será esquecida.
Hoje existe um novo lado em tudo isso, que merece ser analisado: o fato de que os EUA deixaram de ser únicos nesse sentido. A Europa também está entrando no jogo da nova economia. Talvez os mercados acionários europeus sejam os únicos que estejam participando do jogo por enquanto, mas, em todo o caso, isso já é um começo.
Por que a Europa parece estar hesitante? O euro está fraco, não tem nada do glamour que se esperava para ele quando foi lançado. Além disso, os governos europeus continuam em postura defensiva, tanto que não foram empreendidas reformas importantes no mercado trabalhista nem iniciativas que visem à desregulamentação.
É verdade que a Alemanha incluiu em sua agenda um acordo tributário importante, que vai permitir que grandes instituições financeiras vendam enormes participações acionárias no setor das grandes empresas sem ser sujeitas a impostos punitivos sobre ganhos de capital. Mas, na melhor das hipóteses, os governos europeus só concordaram em permitir a racionalização de suas indústrias bancárias e algumas fusões de empresas de mais de um país.
Apesar desses passos pequenos dos governos, as ações da nova economia estão se tornando o setor quente dos mercados europeus. Isso não se reflete só no grande número de fusões como, cada vez mais, no conteúdo de nova economia das empresas consolidadas. A Siemens está reservando uma parte ótima nessa área, na sua divisão de semicondutores, que, em breve, terá seu capital aberto ao público.
Não querendo ficar de fora, outras empresas estão analisando de que partes elas podem se livrar e que partes podem vender. Grandes instituições financeiras, como o Deutsche Bank, na medida em que liberam os enormes recursos financeiros hoje comprometidos com o setor industrial, estão pensando quase exclusivamente na possibilidade de fazer parte do cenário em estilo americano de capitais de investimento, financiamento de empresas recém-criadas e ofertas públicas iniciais das ações dessas empresas.
Até agora tudo isso tem sido um fenômeno secundário, centrado principalmente no "Neumarkt" alemão, mas está se transformando em foco de atenção generalizada. E isso acontece não apenas na Alemanha. A nova economia desfruta de publicidade e promoção ao menos equivalente na Suíça, Itália, Espanha e França.
A alta tecnologia e a nova economia gozam de imensa popularidade na Europa porque oferecem um caminho muito melhor à prosperidade do que esperar que governos, sindicatos e burocratas cheguem a um acordo para a reestruturação da velha economia.
Os governos europeus não vão demorar a aprovar a geração de riqueza proporcionada pela nova economia e até reivindicar para eles o crédito por ela. À medida que as ações da nova economia européia voarem para a estratosfera, o resto do mundo vai correr para entrar no jogo também. Dos EUA e do Oriente Médio chegarão capitais para abocanhar parte do mercado. Para quem perdeu o bonde nos EUA ou apenas quer assistir a todo o processo outra vez, será uma oportunidade para subir no bonde já andando.
Esse crescimento robusto do mercado acionário vai empurrar o euro para cima, elevando o retorno obtido pelos investidores estrangeiros para muito além do que poderiam lucrar com simples rendimentos sobre capitais. Foi o que aconteceu no Japão no ano passado. A reestruturação das grandes empresas foi apenas o primeiro passo no fortalecimento renovado das ações. Então a alta tecnologia e a nova economia viraram palavras de ordem que proporcionaram uma valorização das ações maior que a que ocorreu nos EUA. E o valor do iene também subiu.
Essa perspectiva de boom no mercado acionário é uma dádiva dos céus para uma economia européia presa numa rotina repetitiva. A Europa tem riqueza considerável, mas ela está adormecida; tem capital humano considerável, mas ele tem as mãos amarradas pela falta de iniciativa, a regulamentação contraproducente, a burocracia e a falta de interesse em sair em busca de lucros.
Os líderes europeus deveriam receber de braços abertos a libertação que vai facilitar suas vidas e tornar a Europa muito mais livre. A nova economia européia está vindo por aí. A riqueza que ela criar pode provocar nos governos um choque suficiente para libertar o resto da economia do continente.


Rudiger Dornbusch, 57, economista, é doutor pela Universidade de Chicago e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Foi chefe da assessoria econômica do FMI e do Banco Mundial.
Tradução de Clara Allain




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