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FERNANDO DE BARROS E SILVA
De cães, estômago e moral
SÃO PAULO - Para quem, há menos de uma semana, chupava sorvete de tapioca em plena CPI, não há
como negar que a oposição progrediu nos últimos dias. Sua situação
hoje, miserável que ainda seja, faz
recordar um verso famoso de Carlos Drummond: "Mas tens um cão".
Chame-se o vira-lata pelo apelido
oficial -"banco de dados"-, como
quer a ministra Rousseff, ou pelo
nome próprio -"dossiê"-, o fato é
que ele ameaça morder, pela primeira vez, os calcanhares da todo-poderosa. Mesmo que nada mais
lhe aconteça, Dilma já ficou de repente mais parecida com Zé Dirceu.
O episódio aproxima sua imagem
do lado sombrio da Casa Civil.
É pouco provável, porém, que este escândalo -mais um para o museu do governo Lula- venha ter
maiores conseqüências, além de
provocar rosnados e latidos éticos.
É triste, mas a oposição é incapaz
de ir além dos perdigotos cívicos
disparados a esmo pelo senador Arthur Virgílio, essa miniatura amazônica do lacerdismo tardio.
Mais sério, no entanto, é o descaso prepotente da ministra, que deu
uma banana à CPI: "Temos mais o
que fazer". Rousseff invoca uma suposta trabalheira do cargo para justificar certo desdém pelo jogo democrático. Faz o cidadão de idiota.
Não é preciso muito para perceber que esse e outros abusos estão
escorados na popularidade celestial
de Lula, digna de um régulo asiático. O lulismo promove a consagração perversa da máxima vocalizada
pela "Ópera dos Três Vinténs"
(1928), de Brecht: "Primeiro vem o
estômago, depois a moral".
O governo usa o êxito de público e
a satisfação da clientela que formou
na base da distribuição de esmolas
para se desobrigar eticamente.
Como quem se vê além do bem e
do mal, Lula faz graça para Severino
e homenageia em público Renan, o
bom companheiro. Empresta seu
prestígio ao atraso, de quem se fez
sócio, enquanto seu governo cuida
da gestão "moderna" da miséria,
sem mexer com os poderosos. A alguns pode até parecer teatro épico.
Mas é a velha chanchada brasileira.
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