São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2008

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ALBA ZALUAR

Armadilha autoritária

O TÍTULO já estava escolhido. Queria escrever sobre a centralização autoritária das decisões e a irresponsabilidade dos circunstantes. Teria a matriz do presidencialismo se reproduzido nas formas de organização social existentes no país, até mesmo as menores, com a armadilha de um poder que facilmente se torna autoritário?
Já havia registrado a solidão do poder de presidentes de blocos de Carnaval e de associações de moradores em humildes favelas cariocas. Com o poder decisório concentrado em suas pessoas, pesava sobre os seus ombros toda a responsabilidade acerca dos resultados obtidos. Eram eles que tomavam sozinhos as decisões sobre quem faria o quê; quem seria escolhido para ocupar as posições de maior prestígio; que curso de ação seria seguido para conseguir recursos. A glória dos acertos e a culpa dos erros eram suas.
Em um país que funciona assim, como se pode pedir que cada um assuma a sua parcela de responsabilidade sobre ações que exigem a presença ativa de cada um? A epidemia da dengue em várias cidades brasileiras, recorrentes há tantos anos, é um caso ilustrativo desse dilema. O apelo para que cada um faça a sua parte tem caído em ouvidos moucos. Como são interpelados para seguir ordens, aceitar decisões, sofrer as conseqüências delas sem poder de recurso, não desenvolveram a capacidade de assumir responsabilidades e de agir coletivamente, o que se chama cultura cívica.
Enquanto refletia sobre isso, fui assistir ao primeiro concerto da temporada de 2008 da Orquestra Petrobras de Música. O seu maestro Isaac Karabtchevsky apresentou a orquestra de uma forma surpreendente. As decisões são hoje tomadas em conjunto, como na execução de partituras, em que cada instrumento faz a sua parte e está consciente da sua importância. O famoso maestro, abdicando do poder investido no dirigente, instituiu o que denominou de autogestão da orquestra.
Em conversa com amigo empresário de sucesso, fui surpreendida pelo seu empenho em mudar as regras de relacionamento na sua empresa, inspirado por novos teóricos da teoria da organização. O sucesso gerencial das empresas teria por base novas formas de cooperação e comunicação entre seus empregados. Chamados desde sempre a dividir decisões e tarefas, a responsabilidade é partilhada por todos.
Talvez tenha chegado o momento de fazer uma reviravolta no modelo de poder vigente no país e na relação entre líderes e liderados. Para que um ínfimo mosquito não continue a ceifar vidas dos mais frágeis e a derrubar por semanas os mais fortes.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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