São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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FOGO, ÍNDIOS E FOLCLORE

A notícia de que a Fundação Nacional do Índio (Funai) está financiando a viagem de um grupo de índios a Roraima a fim de realizar o "ritual da chuva" para combater o fogo mereceria ser tratada como uma anedota. Mereceria, não fosse ela o relato de um exemplo caricatural da inépcia que vem caraterizando a atuação do poder público brasileiro diante da devastação das reservas naturais e da pequena economia do Estado.
É um disparate que um órgão público como a Funai desperdice os seus poucos recursos dando chancela a crenças e práticas que só fazem sentido dentro do universo cultural dos índios. Isto é, se está considerando que não há hipótese de que algum funcionário da fundação realmente acredite que o ritual caiapó possa levar chuva para Roraima.
Considerações sobre o absurdo à parte, o que está em jogo é um problema que precisa ser enfrentado de modo racional, com o auxílio de conhecimentos científicos e o uso de tecnologia adequada. Embora a Funai não esteja nem de longe no centro do combate ao fogo, a atitude da fundação parece, no entanto, ser equivalente à de um ministro da Saúde que resolvesse agora recorrer ao poder dos pajés para combater a expansão da dengue ou da malária.
A atitude da Funai dá tintas lamentavelmente folclóricas a uma série de negligências e irresponsabilidades que contribuíram para agravar a catástrofe ambiental em Roraima.
O governo federal demorou muito a agir, apesar de ter sido alertado há meses para a existência do problema. Recusou a ajuda internacional, mostrando desconhecer a gravidade do incêndio. Agora, ao nacionalismo injustificado, que, seja dito, ainda parece imperar em amplos setores das Forças Armadas, vem se somar o primitivismo da Funai, que no episódio infelizmente se inspira mais na magia do que na ciência.



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