São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

É positivo o projeto de lei a respeito da guarda compartilhada de filhos?

NÃO

O direito ao óbvio

CAETANO LAGRASTA

O PROJETO de lei que está indo à sanção presidencial e trata da guarda compartilhada, com alteração dos artigos 1.583 e 1584 do Código Civil, além de legislar sobre o óbvio, com cara de espanto, parte de equívoco primário, qual seja, não determinar o domicílio do menor.
As legislações, como a canadense, a norte-americana e a francesa, partem do princípio de que a definição do domicílio do menor é essencial ao desenvolvimento do sistema de guarda compartilhada, eis que não se trata apenas de mera responsabilização ou exercício de direitos e deveres, mas de garantir o interesse superior da criança. A ela é que estão dirigidas as disposições sobre o bem-estar, a formação física e intelectual, a freqüência à escola ou culto e, com a fixação do local em que reside, seus vizinhos, o bairro onde viverá habitualmente, assegurar-lhe saúde mental.
A nova redação do citado artigo 1.583, com certeza, irá conduzir pais e juízes ao maior dos erros possíveis, qual seja, confundir a guarda compartilhada com a alternada. Nesta, quando por períodos escolhidos ao acaso e sem qualquer critério, pretender que a criança esteja na casa de um ou de outro genitor, e não em sua própria casa, com certeza a levará, por anos, a freqüentar psicólogos ou psiquiatras.
Se, de um lado, poderá preservar as imagens de pai e mãe, de outro, não irá fixá-las, pois serão imagens esmaecidas, que não lhe permitirão imaginar a paz e a segurança de um lar. No aspecto psicológico, poderá desenvolver caracteres descompensados de personalidade (masculina ou feminina), capazes de permitir o surgimento de dupla personalidade, como parte de um fenômeno neurótico ou psicótico.
A guarda alternada facilitará o conflito, pois, ao mesmo tempo em que o menor é jogado de um lado para o outro, náufrago numa tempestade, a inadaptação será característica também dos genitores, facilitando-lhes a fuga à responsabilidade, na busca do próprio interesse, invertendo semanas ou temporadas sob alegações pueris ou mentirosas (viagens, obrigações profissionais, congressos etc.).
Em suma, os adultos buscarão tirar "vantagens" dessa situação indefinida, propícia ao desentendimento e à destruição de uma convivência sadia.
Não existe autoridade alternada; existe autoridade definida. A criança deve saber onde é o seu lar, quem são seus pais -aqueles que o amam, respeitam e educam- e que a estes deve obediência e respeito, sem nenhuma tergiversação.
Ademais, ao contrário do que pretende o legislador, não basta o consenso dos genitores ou o decreto do juiz. Mais importante será verificar qual dos domicílios é o adequado aos interesses da criança: proximidade da escola, das amizades, serviço de saúde, transporte, segurança etc., questões que suplantam o mero convívio.
Mostra-se temerária e ameaçadora a redação do parágrafo 2º do artigo 1.584, no sentido de que, não havendo acordo entre os pais, o juiz poderá determinar a guarda compartilhada -a experiência comprova ser a falta de consenso causa de graves distúrbios comportamentais.
Assim, não há como obrigar os envolvidos à obediência a um regime que a todos repugna, sem que se saiba se consulta ou não àquele interesse superior, uma vez que a orientação técnico-profissional ou de equipe multidisciplinar, por essencial, na expressiva maioria das comarcas do interior, nem sequer existem. Por outro lado, se o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, além de outras, poderá implicar a redução do número de horas de convivência, essa questão se mostra de aferição e dosagem impossíveis, seja pelo magistrado, seja por equipe multidisciplinar.
Assim, mais uma vez, perde o Estado a oportunidade de concretizar instituto dos mais aguardados por genitores e filhos, de forma a atender integralmente aos interesses da cidadania e resguardar os direitos do homem e da criança em particular.


CAETANO LAGRASTA, 64, é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Foi juiz em Vara de Família em São Paulo por oito anos.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Rodrigo da Cunha Pereira: Novo paradigma no direito de família

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.