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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positivo o projeto de lei a respeito da guarda compartilhada de filhos?
NÃO
O direito ao óbvio
CAETANO LAGRASTA
O PROJETO de lei que está indo à
sanção presidencial e trata da
guarda compartilhada, com alteração dos artigos 1.583 e 1584 do
Código Civil, além de legislar sobre o
óbvio, com cara de espanto, parte de
equívoco primário, qual seja, não determinar o domicílio do menor.
As legislações, como a canadense, a
norte-americana e a francesa, partem
do princípio de que a definição do domicílio do menor é essencial ao desenvolvimento do sistema de guarda
compartilhada, eis que não se trata
apenas de mera responsabilização ou
exercício de direitos e deveres, mas de
garantir o interesse superior da criança. A ela é que estão dirigidas as disposições sobre o bem-estar, a formação
física e intelectual, a freqüência à escola ou culto e, com a fixação do local
em que reside, seus vizinhos, o bairro
onde viverá habitualmente, assegurar-lhe saúde mental.
A nova redação do citado artigo
1.583, com certeza, irá conduzir pais e
juízes ao maior dos erros possíveis,
qual seja, confundir a guarda compartilhada com a alternada. Nesta, quando por períodos escolhidos ao acaso e
sem qualquer critério, pretender que
a criança esteja na casa de um ou de
outro genitor, e não em sua própria
casa, com certeza a levará, por anos, a
freqüentar psicólogos ou psiquiatras.
Se, de um lado, poderá preservar as
imagens de pai e mãe, de outro, não
irá fixá-las, pois serão imagens esmaecidas, que não lhe permitirão
imaginar a paz e a segurança de um
lar. No aspecto psicológico, poderá
desenvolver caracteres descompensados de personalidade (masculina
ou feminina), capazes de permitir o
surgimento de dupla personalidade,
como parte de um fenômeno neurótico ou psicótico.
A guarda alternada facilitará o conflito, pois, ao mesmo tempo em que o
menor é jogado de um lado para o outro, náufrago numa tempestade, a
inadaptação será característica também dos genitores, facilitando-lhes a
fuga à responsabilidade, na busca do
próprio interesse, invertendo semanas ou temporadas sob alegações
pueris ou mentirosas (viagens, obrigações profissionais, congressos etc.).
Em suma, os adultos buscarão tirar
"vantagens" dessa situação indefinida, propícia ao desentendimento e à
destruição de uma convivência sadia.
Não existe autoridade alternada;
existe autoridade definida. A criança
deve saber onde é o seu lar, quem são
seus pais -aqueles que o amam, respeitam e educam- e que a estes deve
obediência e respeito, sem nenhuma
tergiversação.
Ademais, ao contrário do que pretende o legislador, não basta o consenso dos genitores ou o decreto do
juiz. Mais importante será verificar
qual dos domicílios é o adequado aos
interesses da criança: proximidade da
escola, das amizades, serviço de saúde, transporte, segurança etc., questões que suplantam o mero convívio.
Mostra-se temerária e ameaçadora
a redação do parágrafo 2º do artigo
1.584, no sentido de que, não havendo
acordo entre os pais, o juiz poderá determinar a guarda compartilhada -a
experiência comprova ser a falta de
consenso causa de graves distúrbios
comportamentais.
Assim, não há como obrigar os envolvidos à obediência a um regime
que a todos repugna, sem que se saiba
se consulta ou não àquele interesse
superior, uma vez que a orientação
técnico-profissional ou de equipe
multidisciplinar, por essencial, na expressiva maioria das comarcas do interior, nem sequer existem.
Por outro lado, se o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, além de outras, poderá implicar a
redução do número de horas de convivência, essa questão se mostra de
aferição e dosagem impossíveis, seja
pelo magistrado, seja por equipe multidisciplinar.
Assim, mais uma vez, perde o Estado a oportunidade de concretizar instituto dos mais aguardados por genitores e filhos, de forma a atender integralmente aos interesses da cidadania e resguardar os direitos do homem e da criança em particular.
CAETANO LAGRASTA, 64, é desembargador do Tribunal
de Justiça de São Paulo. Foi juiz em Vara de Família em
São Paulo por oito anos.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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