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É positivo o projeto de lei a respeito da guarda compartilhada de filhos?
SIM
Novo paradigma no direito de família
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA
UMA NOVA realidade para os filhos de pais separados está
muito próxima. Foi aprovado
no dia 20/5, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 6.350/02, que estabelece o compartilhamento da
guarda de filhos.
O projeto, que tramitou no Congresso desde 2002, é fruto da luta dos
movimentos sociais, especialmente
dos pais que desejam continuar tendo
uma relação continuativa com os filhos, apesar da separação do casal.
Pretendem deixar de ser pais apenas
de finais de semana ou recreadores.
A importância dessa nova lei está
na mudança do paradigma jurídico
sobre a responsabilidade e a responsabilização sobre a criação de filhos.
As experiências de Inglaterra, França, EUA e Canadá já deram certo.
Guarda compartilhada ou conjunta
é o ideal para todos os filhos cujos pais
não vivem sob o mesmo teto. Não significa fazer contabilidade de horas ou
dias. A guarda em que se faz cronometragem de tempo é a chamada guarda
alternada. Pode-se até fazer alternância de tempo na guarda compartilhada, mas essa não é a sua essência.
O compartilhamento é da responsabilidade pela rotina e educação dos
filhos. Isso todos os pais deveriam
querer, pois educar e criar filhos não é
tarefa simples. Exige tempo, dedicação, paciência e amor incondicional.
As mães deveriam, muito mais do
que os pais, exigir esse compartilhamento. Sobrar-lhes-ia mais tempo e,
conseqüentemente, maior qualidade
de vida para si e repercussões positivas para os filhos.
Muitos pais separados já praticavam essa modalidade de guarda, embora nem soubessem o seu nome. Na
verdade, qualquer pai ou mãe que
pensa verdadeiramente no interesse
de seus filhos adota a guarda compartilhada. Salvo raríssimas exceções,
ninguém contesta que o ideal é que os
filhos convivam o máximo possível
com ambos os genitores.
Com esse raciocínio, quebraríamos
o preconceito de que filhos de pais separados são problemáticos. Filhos
problemáticos são filhos de pais que
vivem brigando. Os filhos não precisam e não devem se separar dos pais.
Separação é de casal, e não de filhos.
Apesar dessa simples lógica, há argumentos contrários. Os que apostam na derrota, na briga e se apegam
em excesso ao formalismo jurídico
são contrários. Dizem que o compartilhamento não dá certo, pois os filhos
quebram suas rotinas, e, se os pais
não cumprem o combinado, não há
como executar o acordo judicialmente. Alguns juízes e promotores de Justiça dizem que a guarda compartilhada não funciona na prática. São concepções equivocadas sobre o direito e
sua função social e simbólica.
É preciso enxergar que guarda de
filhos muitas vezes é tratada também
como uma questão de poder. O filho,
não raro, é usado como uma moeda
de troca do fim da conjugalidade.
É incrível como a mãe ou o pai não
vêem o mal que estão fazendo para o
próprio filho ao disputá-lo judicialmente e ao boicotar o contato com o
outro genitor ou responsável, mesmo
que isso seja em nome do afeto que
têm por ele.
No fundo -mas nem precisa ir
muito fundo-, percebe-se claramente que os processos judiciais de disputa de guarda de filhos são só uma desculpa para continuar a relação, ainda
que por meio do longo e tenebroso
processo judicial, em que se instalam
histórias de degradação do outro. É
que o ódio une mais que o amor.
Enquanto isso, o casal continua a
relação por meio da briga. E o filho no
meio dos restos do amor conjugal. É
preciso separar o joio do trigo, isso é,
uma coisa é a conjugalidade, e outra é
a parentalidade.
O projeto que aguarda a sanção presidencial vem resolver os conflitos de
disputa de guarda de filhos? Não. Claro que não, pois é na família que estão
as relações mais íntimas e complexas,
e é por isso mesmo que aí eclodem
grandes conflitos. Entretanto, a lei, ao
instalar uma nova concepção para
criação e educação de filhos, ajuda a
desconstruir o velho paradigma da
guarda única e também legitima uma
inquietante questão, principalmente
para os homens: por que o(s) filho(s),
em caso de separação, tem que ficar
com a mãe?
Agora, não é mais nem com a mãe,
nem com o pai. É com ambos. Não é
necessário dividir ou separar os filhos
de seus pais. É necessário compartilhar as responsabilidades do cotidiano. Vitória das crianças!
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, 50, doutor em direito, é
advogado, professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais) e presidente do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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