São Paulo, sábado, 31 de maio de 2008

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É positivo o projeto de lei a respeito da guarda compartilhada de filhos?

SIM

Novo paradigma no direito de família

RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

UMA NOVA realidade para os filhos de pais separados está muito próxima. Foi aprovado no dia 20/5, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 6.350/02, que estabelece o compartilhamento da guarda de filhos.
O projeto, que tramitou no Congresso desde 2002, é fruto da luta dos movimentos sociais, especialmente dos pais que desejam continuar tendo uma relação continuativa com os filhos, apesar da separação do casal. Pretendem deixar de ser pais apenas de finais de semana ou recreadores.
A importância dessa nova lei está na mudança do paradigma jurídico sobre a responsabilidade e a responsabilização sobre a criação de filhos. As experiências de Inglaterra, França, EUA e Canadá já deram certo.
Guarda compartilhada ou conjunta é o ideal para todos os filhos cujos pais não vivem sob o mesmo teto. Não significa fazer contabilidade de horas ou dias. A guarda em que se faz cronometragem de tempo é a chamada guarda alternada. Pode-se até fazer alternância de tempo na guarda compartilhada, mas essa não é a sua essência.
O compartilhamento é da responsabilidade pela rotina e educação dos filhos. Isso todos os pais deveriam querer, pois educar e criar filhos não é tarefa simples. Exige tempo, dedicação, paciência e amor incondicional.
As mães deveriam, muito mais do que os pais, exigir esse compartilhamento. Sobrar-lhes-ia mais tempo e, conseqüentemente, maior qualidade de vida para si e repercussões positivas para os filhos.
Muitos pais separados já praticavam essa modalidade de guarda, embora nem soubessem o seu nome. Na verdade, qualquer pai ou mãe que pensa verdadeiramente no interesse de seus filhos adota a guarda compartilhada. Salvo raríssimas exceções, ninguém contesta que o ideal é que os filhos convivam o máximo possível com ambos os genitores.
Com esse raciocínio, quebraríamos o preconceito de que filhos de pais separados são problemáticos. Filhos problemáticos são filhos de pais que vivem brigando. Os filhos não precisam e não devem se separar dos pais. Separação é de casal, e não de filhos.
Apesar dessa simples lógica, há argumentos contrários. Os que apostam na derrota, na briga e se apegam em excesso ao formalismo jurídico são contrários. Dizem que o compartilhamento não dá certo, pois os filhos quebram suas rotinas, e, se os pais não cumprem o combinado, não há como executar o acordo judicialmente. Alguns juízes e promotores de Justiça dizem que a guarda compartilhada não funciona na prática. São concepções equivocadas sobre o direito e sua função social e simbólica.
É preciso enxergar que guarda de filhos muitas vezes é tratada também como uma questão de poder. O filho, não raro, é usado como uma moeda de troca do fim da conjugalidade.
É incrível como a mãe ou o pai não vêem o mal que estão fazendo para o próprio filho ao disputá-lo judicialmente e ao boicotar o contato com o outro genitor ou responsável, mesmo que isso seja em nome do afeto que têm por ele.
No fundo -mas nem precisa ir muito fundo-, percebe-se claramente que os processos judiciais de disputa de guarda de filhos são só uma desculpa para continuar a relação, ainda que por meio do longo e tenebroso processo judicial, em que se instalam histórias de degradação do outro. É que o ódio une mais que o amor.
Enquanto isso, o casal continua a relação por meio da briga. E o filho no meio dos restos do amor conjugal. É preciso separar o joio do trigo, isso é, uma coisa é a conjugalidade, e outra é a parentalidade.
O projeto que aguarda a sanção presidencial vem resolver os conflitos de disputa de guarda de filhos? Não. Claro que não, pois é na família que estão as relações mais íntimas e complexas, e é por isso mesmo que aí eclodem grandes conflitos. Entretanto, a lei, ao instalar uma nova concepção para criação e educação de filhos, ajuda a desconstruir o velho paradigma da guarda única e também legitima uma inquietante questão, principalmente para os homens: por que o(s) filho(s), em caso de separação, tem que ficar com a mãe?
Agora, não é mais nem com a mãe, nem com o pai. É com ambos. Não é necessário dividir ou separar os filhos de seus pais. É necessário compartilhar as responsabilidades do cotidiano. Vitória das crianças!


RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, 50, doutor em direito, é advogado, professor da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e presidente do IBDFam (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

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