São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Reclassificação de risco

Para avaliar corretamente o que significou o rebaixamento que a Standard & Poor's fez dos papéis externos brasileiros no dia 2 de julho, passando-os, na sua classificação, de BB- para B+, é preciso considerar o seguinte:
1. Não adianta argumentar que as "agências de ratings não entendem o Brasil" (o que até pode ser verdade), ou que elas têm errado com frequência (o que é verdade), porque elas (certas ou erradas) influenciam o comportamento dos investidores.
2. Dezenas de verificações empíricas mostram que, a despeito de muitas dificuldades, há uma correlação positiva importante entre aquelas classificações e alguns indicadores da economia que os credores entendem importantes (relação dívida líquida/PIB, relação dívida externa/exportação, porcentagem das exportações utilizadas para pagar amortizações da dívida externa e seus juros etc.).
3. Há uma correlação positiva muito forte entre as classificações de risco das agências e os "spreads" do risco soberano estabelecido pelo mercado.
A atitude inteligente e responsável, portanto, não é "culpar" as agências de risco, mas procurar corrigir os fatores que elas (para vender seus serviços aos credores) observam mesmo reconhecendo que há um certo oportunismo no seu comportamento e que (tendo errado muito), hoje, elas talvez estejam mais exigentes e olhando "muito mais para a frente".
A tabela abaixo mostra a atual classificação dos papéis brasileiros pelas duas principais agências comparada às do Chile e do México:
Grosseiramente, a classificação "A" significa uma proteção média para os portadores dos papéis, mas ainda sujeita às vicissitudes do ciclo econômico. As classificações "BBB" e "Baa" indicam papéis de risco maior do que a média, mas aceitáveis para investimentos prudentes. A classificação "B" indica papéis pouco recomendáveis para investimento e com risco de não serem honrados. O acréscimo dos sinais (+ ou -) e dos números (1 ou 2) indicam ligeiras mudanças que preparam uma possível progressão ou rebaixamento da classificação.
A Standard & Poor's não reclassificou o Brasil apenas por causa da excitação eleitoral -como se afirmou-, mas porque acredita que a situação externa do Brasil deve ser objeto de cuidadosa observação por parte dos credores. É um grande equívoco responder a isso com o argumento que ela não entende a natureza da dívida interna. Não foi por essa razão que houve o rebaixamento, mesmo porque a agência reconhece o fato de aquela dívida estar praticamente nas mãos dos investidores brasileiros, o que, aliás, não é garantia de que não possa haver algum problema.
Nossa situação atual não decorre da apreciação das agências de "ratings", mas do fato de termos abusado no uso da poupança externa. Supusemos, erroneamente, que, quando há liberdade de movimento de capitais, o financiamento nunca seca...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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