São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Para reverter o pessimismo

EMERSON KAPAZ

Há seis meses, se alguém dissesse que o Brasil seria pentacampeão mundial de futebol, seria alvo de risos e chacotas. Um time que não conseguia sequer marcar gol de pênalti era percebido como mais uma desgraça nacional. A seleção não se deixou contaminar por esse pessimismo atávico da brasilidade, chegou à final da Copa e conquistou a taça.
Na economia, ocorre algo semelhante. É certo que atravessamos tempos difíceis. Investidores externos, tradicionalmente avessos a riscos, já estão cautelosos até em relação aos Estados Unidos. Ficou mais do que claro: às vésperas de uma eleição presidencial e com a forte perspectiva de vitória de um candidato da oposição, o Brasil precisará caminhar pelas próprias pernas durante um bom tempo.
Deixar-se abater pelo pessimismo, entretanto, é desprezar o grande potencial que o país possui -e não é só no futebol- para se reestruturar e retomar o crescimento. Por isso, em vez de ficar chorando pelos cantos e se deixar pisotear pelos estouros de manada do mercado financeiro, as elites responsáveis deveriam, desde já, começar a discutir uma agenda econômica, com propostas consistentes.
Uma dessas proposições, apresentada pelo candidato da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, almeja um alongamento articulado e negociado de uma parte da dívida interna. Por mais que seus detratores tentem colar a imagem de calote na proposta, na verdade não se trata de uma imposição. Quer-se que investidores e poupadores se sintam estimulados a continuar apostando no Brasil. Foi exatamente isso que fez o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, ao alongar o perfil da dívida interna brasileira para 30 meses. Obrigar investidores e poupadores a fazerem algo com que não estivessem de acordo seria uma celeridade.
Este, entretanto, é o lado financeiro da questão. O problema de fundo, que consiste na retomada da confiança para possibilitar o crescimento, só terá solução possível a partir do momento em que houver um quadro favorável a uma redução substancial dos juros básicos da economia. Para isso, as reformas tributária e previdenciária são pré-condições estratégicas.


Com a forte perspectiva de vitória de um candidato da oposição, o Brasil precisará caminhar pelas próprias pernas


A tributária é fundamental para desonerar a indústria e elevar o poder aquisitivo dos salários, proporcionando escala e competitividade que ajudarão na substituição das importações e no crescimento consistente dos saldos positivos na balança comercial.
A previdenciária é imperiosa para construir um sistema auto-sustentável de seguridade social, que concomitantemente invista um grande volume de poupança em projetos produtivos de longo prazo.
Olhando para o empresário, além de uma política industrial formatada dentro de um projeto nacional de desenvolvimento, é preciso criar um banco de fomento que atenda e financie a pequena e a média empresa. Isso pode ser obtido com parte dos recursos do BNDES e a utilização da estrutura do Sebrae. Em vez de financiar projetos a partir de um piso, a nova agência de desenvolvimento daria créditos para projetos até um teto de R$ 8 milhões, por exemplo.
Na área do comércio exterior, é necessário criar um regime especial para empresas exclusivamente exportadoras, que teriam um CNPJ somente para exportar, podendo adquirir matérias-primas, máquinas e equipamentos sem impostos no Brasil. Estudos sobre essa proposta, que estavam sendo realizados no Ministério da Fazenda, foram suspensos há um ano.
Essas são apenas algumas das ações factíveis de um grande elenco de medidas necessárias para a recriação de um clima de confiança e o fortalecimento do empreendedorismo. Se não podemos evitar as especulações que agitarão o mercado financeiro nos próximos meses, ao menos temos a obrigação de construir uma agenda com foco nos ganhos nada voláteis proporcionados pelo desenvolvimento auto-sustentável.


Emerson Kapaz, 47, deputado federal pelo PPS-SP, é candidato à reeleição. Foi secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo (governo Mário Covas).

E-mail: emerson@kapaz.com.br



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