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São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2003

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DESARMAR A ARMADILHA

À diferença do que se imaginava, depois de longos anos na oposição o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder levando em sua bagagem não muito mais do que as conhecidas generalidades sobre os males que afligem o país. A expectativa de que haveria idéias e projetos em estado avançado de formulação para dar consequências práticas às diversas linhas do discurso político frustrou-se com o lançamento do primeiro programa de impacto -o "Fome Zero". Não foi preciso muito tempo para perceber que, por detrás da retórica assistencialista, à qual a sociedade entusiasticamente aderiu, não se encontrava um plano que representasse avanço significativo em relação aos programas de renda mínima anteriormente implantados.
Mesmo em questões de longa permanência na agenda do país, como as reformas previdenciária e tributária, para as quais, poder-se-ia supor, o PT já sistematizara propostas e alternativas, nada de novo apresentou-se. Em quase todas as áreas foi-se constatando, ao longo dos últimos seis meses, que as políticas de governo estavam, na realidade, sendo elaboradas praticamente a partir do zero, muitas delas pressionadas pela necessidade de o Planalto apresentar uma "agenda positiva", capaz de produzir fatos políticos e midiáticos em contraposição aos efeitos negativos da conjuntura econômica.
Foi justamente nessa área essencial, a da economia, que a nova administração mostrou-se menos improvisada. Não, porém, para implantar as mudanças anunciadas em campanha, e sim para repetir com maior rigidez a política econômica anterior, tão execrada pelo PT.
As razões que fundamentaram essa opção são conhecidas. Além dos contratos a serem respeitados -entre eles o acordo com o FMI-, a percepção de que medidas mais coerentes com a ideologia petista viessem a ser adotadas seria o sinal para que os mercados levassem o país a uma moratória das dívidas interna e externa. Nesse caso, o primeiro ato do governo seria repetir no Brasil o desastre do "default" ocorrido na Argentina.
Decidiu-se, então, restabelecer o equilíbrio precário do modelo que estava em curso, recorrendo à terapia clássica: elevação da taxa de juros e dos depósitos compulsórios com a consequente retração da atividade econômica. Tratava-se de "matar e esquartejar" a inflação, na síntese do ministro da Fazenda. Os resultados apareceram: a economia entrou em trajetória recessiva, instaurou-se um clima de paralisia, o desemprego aumentou, mas a inflação retrocedeu fortemente, a cotação do dólar caiu e o famigerado risco-país recuou.
Assim, o PT construiu rapidamente sua credibilidade diante dos mercados internacionais, ao mesmo tempo que começou a vê-la, paulatinamente, esvair-se entre os que depositaram esperanças numa gestão anunciada -para usar o jargão-como mais "desenvolvimentista".
Na tentativa de conter uma possível e perigosa debandada de apoios, o governo vai lançando "pacotes", como o do microcrédito ou o do "desenvolvimento" (prestes a vir a público), pretendendo com isso minimizar os efeitos mais imediatos de sua opção econômica. Generaliza-se, contudo, a impressão de que mesmo no longo prazo a nova administração candidata-se a repetir a dinâmica, bastante conhecida nos últimos anos, de ciclos de crescimento moderado seguidos de crise externa, descontrole cambial, aumento da inflação e nova elevação de juros.
Os desdobramentos do cenário atual são uma incógnita. Resultados medíocres na economia poderão fortalecer os quadros do pensamento econômico do PT, alijados da atual equipe, que passariam a contar com apoio das forças decepcionadas com o continuísmo. O governo ver-se-ia pressionado a mudar ou o comando da economia ou os rumos de sua política -provavelmente ambos.
A alternativa otimista seria os atuais gestores da economia, valendo-se da credibilidade conquistada, promoverem ajustes, desarmando as armadilhas da vulnerabilidade externa e redirecionando o modelo em vigor. Dessa forma, com algum auxílio da sorte na área externa, seria possível obter crescimento mais expressivo e relativamente sustentável, apaziguando os ânimos e recompondo a coesão em torno do Planalto.
Quanto às hipóteses pessimistas, melhor, por ora, deixá-las de lado.


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