São Paulo, domingo, 31 de julho de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O baú dos templários

EDSON ARAN


Não é por acaso que a direita fundamentalista se inspirou nos templários: eles são os maiores heróis (ou os piores vilões) de toda a cristandade

Até que demorou para a extrema direita europeia buscar inspiração nos templários para seus atos terroristas, como fez Anders Breivik.
O norueguês homicida afirma pertencer a uma nova Ordem dos Cavaleiros do Templo, que reúne europeus engajados em combater o multiculturalismo em geral e o islã em particular.
Faz sentido. Dependendo do ponto de vista, os templários são os maiores heróis da cristandade -ou os piores vilões.
A ordem foi fundada no 19º ano do Reino Cristão de Jerusalém, que havia sido conquistado meio por acaso em 1099, durante a Primeira Cruzada. Como a população da cidade fora dizimada pelos invasores -que não fizeram distinção entre cristãos ortodoxos, judeus e muçulmanos-, os novos soberanos passaram a pregar a imigração de europeus para a Terra Santa.
O problema é que as rotas eram infestadas de criminosos. Em 1118, Hugo de Payens e mais oito cavaleiros criaram uma organização autônoma de monges combatentes para proteger os peregrinos. A ordem jurava fidelidade apenas ao papa e, financiada por impostos eclesiásticos, se tornou o primeiro exército regular do Ocidente desde a queda de Roma em 476 d.C.
Com a conquista de Jerusalém por Saladino, em 1187, os templários voltaram sua atenção para a Europa, onde adquiriram vastas extensões de terra e organizaram um rudimentar sistema bancário. As lendas, no entanto, os transformaram em guardiões do Santo Graal, o místico cálice que Jesus Cristo usara na Santa Ceia e que servira para recolher seu sangue na cruz.
Os mitos do Graal são uma espécie de compensação cultural pela perda da Terra Santa para o islã.
Não por acaso, em narrativas posteriores, o cálice se transforma na própria descendência de Cristo e Maria Madalena, que, refugiada no sul da França, dá origem à dinastia dos reis merovíngios e, mais tarde, à casa dos Habsburgos, soberanos do Império Austro-Húngaro. A linhagem, como o cálice, estaria sob a proteção dos templários, braço armado de organização ainda mais misteriosa, o Priorado de Sião.
Ao contrário da trama de "O Código Da Vinci", de Dan Brown, os guardiões do Graal não querem promover filosofia "new age", mas restaurar a monarquia na França e restabelecer o Reino Cristão de Jerusalém. Afinal, Jesus Jr., além de merovíngio e Habsburgo, também descende do rei Davi e, portanto, é legítimo soberano da Terra Santa.
Nada agrada mais à extrema direita do que sociedades secretas excludentes e elitistas. O nazismo sempre foi associado a ordens esotéricas, que, no entanto, não o salvaram da derrota. Os templários não tiveram melhor sorte.
A ordem foi exterminada em 1307, quando o último grão-mestre, Jacques De Molay, foi condenado à fogueira por heresia. A Inquisição acusava os cavaleiros de adorarem um demônio de três cabeças chamado Bafomé. Entre os ocultistas, a criatura é associada à sabedoria, mas há também quem veja em seu nome uma corruptela de "Maomé", que a ordem teria aprendido a cultuar na Terra Santa.
Se deus existe, ele tem mesmo um senso de humor dos diabos.

EDSON ARAN é autor de "Conspirações - Tudo o que Não Querem que Você Saiba" e diretor de Redação da revista "Playboy".

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