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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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PEDRAS NO CAMINHO

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, citou em discurso recente o poeta Carlos Drummond de Andrade, ao referir-se às "pedras no caminho" do país rumo ao desenvolvimento sustentado. No discurso, Meirelles mencionou que a remoção dessas pedras corresponderia a uma reativação expressiva e continuada dos investimentos produtivos. Tal reativação teria como requisito a preservação da estabilidade macroeconômica, por meio da aprovação das reformas propostas pelo governo e da persistência em políticas fiscal e monetária que considera "consistentes".
É importante o reconhecimento da necessidade de reativar o investimento. Nos últimos anos o país viveu vários surtos de crescimento que acabaram por se revelar breves. Esses espasmos, puxados sobretudo pela retomada do crédito, foram acompanhados por reações tímidas do investimento, que logo foram revertidas.
É justamente pela falta de maiores recursos para investir que, apesar de há 20 anos vir mantendo um ritmo médio de expansão modesto, a economia brasileira continua padecendo de gargalos em sua estrutura produtiva -como energia elétrica, produtos siderúrgicos e celulose, para citar exemplos mais conhecidos.
Os desafios a vencer para alcançar e manter um ritmo de crescimento mais robusto -e, portanto, da economia como um todo- são complexos. Não há um "caminho das pedras", uma receita pronta.
Obviamente, a primeira pedra a ser retirada é a própria política monetária restritiva. Uma vez constatado o recuo da inflação e os danos recessivos, cabe ao BC promover mais rapidamente quedas na taxa de juros que possam efetivamente influir sobre os elevadíssimos "spreads" cobrados no mercado, facilitando melhores condições creditícias. Tal política também teria efeitos positivos sobre a dívida pública, talvez a grande pedra no caminho da economia.
Dado esse passo, a experiência já indicou alguns perigos que precisam ser evitados. Um deles é permitir que as contas externas voltem a se tornar excessivamente vulneráveis. Não se pode esquecer que foram justamente crises de escassez de dólares que abortaram os breves ciclos de crescimento da economia brasileira observados nos anos 80 e 90. Esse é um aspecto que mereceu pouca ênfase no citado discurso do presidente do BC. Menos mal que outros segmentos do governo pareçam estar dando atenção ao problema.
Outro risco seria uma confiança excessiva das autoridades na manutenção da estabilidade como condição suficiente para reativar os investimentos. Para os padrões históricos do país, nos últimos nove anos atravessou-se um período de relativa estabilidade de preços sem que isso tenha acarretado uma reação mais firme dos investidores. É mais do que razoável admitir que a estabilidade seja uma condição necessária, mas ela não vem se revelando suficiente para estimulá-los a abandonar posições defensivas.
Isso sugere a necessidade de uma ação coordenadora do Estado com vistas a promover investimentos e políticas industriais voltadas para a competitividade da indústria, portanto, para sua capacidade de exportar mais e de substituir importações.
Não será difícil o país obter algum aquecimento nos próximos meses e mesmo em 2004. Caso, porém, isso ocorra apenas com base na expansão do consumo, sem um ciclo maior de investimento, as pedras, infelizmente continuarão onde estão.


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