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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fontes da popularidade

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA


A taxa Selic começou a ser reduzida, mas essa redução é apenas a que "o mercado financeiro permite"


Já que Lula não poderá financiar os gastos sociais com maior endividamento público ou mais impostos, as duas alternativas que lhe restam são retomar o desenvolvimento econômico e melhorar a eficiência do gasto social. Os sete primeiros meses de seu governo, entretanto, não permitem antever uma coisa nem outra. Deixam, pelo contrário, prever semi-estagnação econômica e deterioração da gestão pública, de forma que a popularidade do governo deverá cair.
Em um país marcado pela pobreza e pela desigualdade, como o Brasil, a popularidade do governo depende da sua capacidade de melhorar a situação dos mais pobres. Isso pode acontecer via aumento dos salários mais baixos ou aumento dos gastos com educação, saúde, programas de renda mínima e assistência social.
Desde a transição democrática, os salários dos mais pobres não têm aumentado, a não ser no breve momento pós-Plano Real, quando o fim da alta inflação inercial devolveu a eles parte da perda provocada por essa mesma inflação, e principalmente quando a valorização da taxa de câmbio aumentou o salário médio real. Mantida estável essa taxa, os salários reais variam na proporção do crescimento da renda por habitante, ou seja, da taxa de desenvolvimento econômico. Como essa taxa tem sido menor do que 1% ao ano nos últimos 20 anos, devido à incapacidade dos governos de alcançar a verdadeira estabilidade macroeconômica, o salário dos pobres não poderia ter crescido.
Os governantes, entretanto, em alguns momentos lograram popularidade porque, desde 1985, os gastos sociais aumentaram substancialmente, financiados não pelo crescimento da renda por habitante, como seria desejável, mas pelo aumento da carga tributária e do endividamento público. Além disso, a partir de 1995 a reforma da gestão pública vem contribuindo para o aumento da eficiência no uso dos recursos públicos, ao mesmo tempo em que a prática do loteamento dos cargos públicos para obter maioria no Congresso diminui sensivelmente.
O governo Lula, embora comprometido eleitoralmente com os pobres, sabe que não poderá mais financiar o gasto social adicional com aumento dos impostos, já que a carga tributária de 36% do PIB ultrapassou todos os limites do aceitável em um país em desenvolvimento. Não poderá tampouco continuar recorrendo ao déficit público, pois o endividamento do Estado já é alto demais. Agravando o problema, o governo federal, assim como os estaduais e municipais, encontra dificuldade crescente para financiar o próprio gasto social corrente, dado o peso representado pela já enorme conta de juros.
Por outro lado, a expectativa de que o governo continue a melhorar a eficiência do gasto público é pouco realista. Houve no atual governo um loteamento dos cargos públicos de confiança. O famoso caso do diretor da Funasa, que foi demitido porque sua mulher votou contra a reforma da Previdência, é apenas uma indicação desse fato. Praticamente nenhum ministro foi capaz de preencher a maioria dos cargos de confiança com pessoal técnico. Estimativas feitas em Brasília são que dois terços desses cargos tenham sido preenchidos por critérios políticos. Essa é uma enorme mudança em relação ao governo anterior. Nos dois ministérios que dirigi, por exemplo, não fui obrigado a contratar nenhum gestor por essa razão.
Resta-lhe, portanto, como alternativa, retomar o desenvolvimento. Com isso, poderá não apenas financiar gastos sociais adicionais, mas diminuir o brutal desemprego e aumentar o salário médio dos pobres. A probabilidade dessa retomada, entretanto, é pequena, dada a continuidade da política macroeconômica de alta taxa de juros e baixa taxa de câmbio. Com essa política, o país continuará com suas contas públicas e suas contas externas desequilibradas a médio prazo, as taxas de investimento e poupança permanecerão baixas e a economia, semi-estagnada.
A taxa Selic começou a ser reduzida, mas essa redução é apenas a que "o mercado financeiro permite". Por isso, dificilmente cairá abaixo dos 8% a 9% reais. Quando chegar nesse ponto, o mercado começará a ameaçar com o não-financiamento da dívida pública, ao mesmo tempo em que a depreciação cambial voltará a acelerar momentaneamente a inflação. Embora aquela ameaça seja vazia (o mercado não tem alternativa de colocação de seus recursos monetários, senão financiar a dívida pública), o Banco Central, atemorizado por ela e pela inflação, deverá voltar a elevar a taxa de juros.
Para superar essa armadilha financeira, o governo, que está sinceramente interessado em baixar a taxa de juros permanentemente, precisa de uma crítica responsável da teoria ortodoxa convencional que o BC vem adotando nos últimos nove anos e de coragem e determinação para enfrentar os interesses financeiros. Ou muda nessa direção e alcança a estabilidade macroeconômica, retomando o desenvolvimento, ou terá pela frente graves problemas de popularidade e governabilidade.

Luiz Carlos Bresser Pereira, 69, é professor de economia na FGV-SP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).

Site: www.bresserpereira.org.br



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