São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Avanço vegetativo

País cumpre a meta da ONU de reduzir pobreza, mas dívida social não será resgatada só por meio de donativo assistencialista

A DIVULGAÇÃO simultânea de novos apanhados estatísticos descortina um panorama duplo sobre a realidade socioeconômica do país. Na radiografia oferecida pela Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 do IBGE, pobreza e desigualdade sobressaem em quase todos os campos. Na perspectiva mais alongada do relatório nacional de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o quadro parece um pouco menos desalentador.
A tendência do debate público é balizar-se por cifras pontuais e de alto impacto, como a taxa de crescimento do PIB. Dado que a noção de desenvolvimento implica dimensões do progresso social que escapam a essas formas de quantificação, outros indicadores foram propostos, como o já célebre IDH (índice de desenvolvimento humano).
Surgiram também iniciativas ao estilo da Declaração do Milênio, adotada em 2000 por 191 países sob a liderança da ONU. Das oito metas fixadas para cumprimento de 1990 a 2015, a primeira e mais importante é a erradicação da pobreza extrema. Aqui, ao menos, o país tem algo de positivo a exibir.
O compromisso geral era cortar pela metade a parcela da população com renda per capita inferior a um dólar por dia (no conceito de paridade de poder de compra, ou PPC). O Brasil já o alcançou: em 1990 havia 8,8% dos habitantes nessa condição de extrema pobreza, e 4,2% em 2005. Quase 5 milhões de pessoas escaparam desse contingente miserável, mas 7,5 milhões nele permanecem aprisionados. O desafio nacional, doravante, é baixar tal proporção para um quarto.
Considerou-se cumprida em parte a segunda meta mais importante, educação fundamental para todas as crianças. A taxa de escolarização líquida na faixa de 7 a 14 anos passou de 81,4% (1990) a 94,5% (2005), uma virtual universalização do ensino básico. No entanto, só 53,5% chegam à oitava série. Persistem graves disparidades regionais: no Nordeste, meros 38,2% concluem o ensino fundamental.
Não há razão para exceder-se no otimismo, como aliás atesta o instantâneo dos orçamentos familiares. A desigualdade, embora se reduza lenta e vegetativamente, ainda produz cifras acabrunhantes: os 10% mais ricos da população efetuam gastos dez vezes maiores (R$ 1.815 mensais por pessoa) que os 40% mais pobres (R$ 179). Nas despesas com saúde, percebe-se a precariedade do acesso dos pobres a serviços de caráter preventivo, dado que 42,9% de seus dispêndios são consumidos em remédios (contra 24,2% dos mais afluentes).
Na média, só 3,3% dos gastos familiares são investidos em educação, diante de 7,2% em impostos e contribuições trabalhistas. Nas famílias chefiadas por pessoas que se declaram brancas, a despesa mensal monta a R$ 2.262; no caso de negras, R$ 1.245, e no de pardas, R$ 1.233 (R$ 1.794 é a média nacional).
A dívida social mal começou a ser saldada. E erra o governo Lula por fiar-se apenas no resgate assistencialista do Bolsa Família.

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