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Avanço vegetativo
País cumpre a meta da ONU de reduzir pobreza, mas dívida social não será resgatada só por meio de donativo assistencialista
A DIVULGAÇÃO simultânea de novos apanhados estatísticos descortina um panorama duplo sobre a realidade socioeconômica do país. Na radiografia
oferecida pela Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003
do IBGE, pobreza e desigualdade
sobressaem em quase todos os
campos. Na perspectiva mais
alongada do relatório nacional
de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o quadro parece um pouco
menos desalentador.
A tendência do debate público
é balizar-se por cifras pontuais e
de alto impacto, como a taxa de
crescimento do PIB. Dado que a
noção de desenvolvimento implica dimensões do progresso social que escapam a essas formas
de quantificação, outros indicadores foram propostos, como o já
célebre IDH (índice de desenvolvimento humano).
Surgiram também iniciativas
ao estilo da Declaração do Milênio, adotada em 2000 por 191
países sob a liderança da ONU.
Das oito metas fixadas para cumprimento de 1990 a 2015, a primeira e mais importante é a erradicação da pobreza extrema.
Aqui, ao menos, o país tem algo
de positivo a exibir.
O compromisso geral era cortar pela metade a parcela da população com renda per capita inferior a um dólar por dia (no conceito de paridade de poder de
compra, ou PPC). O Brasil já o alcançou: em 1990 havia 8,8% dos
habitantes nessa condição de extrema pobreza, e 4,2% em 2005.
Quase 5 milhões de pessoas escaparam desse contingente miserável, mas 7,5 milhões nele permanecem aprisionados. O desafio nacional, doravante, é baixar
tal proporção para um quarto.
Considerou-se cumprida em
parte a segunda meta mais importante, educação fundamental
para todas as crianças. A taxa de
escolarização líquida na faixa de
7 a 14 anos passou de 81,4%
(1990) a 94,5% (2005), uma virtual universalização do ensino
básico. No entanto, só 53,5%
chegam à oitava série. Persistem
graves disparidades regionais:
no Nordeste, meros 38,2% concluem o ensino fundamental.
Não há razão para exceder-se
no otimismo, como aliás atesta o
instantâneo dos orçamentos familiares. A desigualdade, embora se reduza lenta e vegetativamente, ainda produz cifras acabrunhantes: os 10% mais ricos da
população efetuam gastos dez
vezes maiores (R$ 1.815 mensais
por pessoa) que os 40% mais pobres (R$ 179). Nas despesas com
saúde, percebe-se a precariedade
do acesso dos pobres a serviços
de caráter preventivo, dado que
42,9% de seus dispêndios são
consumidos em remédios (contra 24,2% dos mais afluentes).
Na média, só 3,3% dos gastos
familiares são investidos em
educação, diante de 7,2% em impostos e contribuições trabalhistas. Nas famílias chefiadas por
pessoas que se declaram brancas, a despesa mensal monta a
R$ 2.262; no caso de negras, R$
1.245, e no de pardas, R$ 1.233
(R$ 1.794 é a média nacional).
A dívida social mal começou a
ser saldada. E erra o governo Lula por fiar-se apenas no resgate
assistencialista do Bolsa Família.
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