São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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Placar da vitória é mais apertado desde 89

Eleição da primeira mulher será também a primeira sucessão de 3 presidentes eleitos diretamente em 84 anos

Eleita será a segunda a chegar ao Planalto sem ter disputado eleição anterior e terá a maior coalizão, de 10 partidos

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Apontada candidata por Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Vana Rousseff, 62, a primeira mulher eleita presidente do Brasil, não superou a votação do mentor. Lula continua o presidente com a maior votação da história - teve 61,3% dos votos válidos no segundo turno de 2002.
Além da questão de gênero, há vários outros fatores históricos inéditos na escolha de Dilma para ser o 40º presidente do país.
Quando receber a faixa presidencial de Lula, Dilma protagonizará um ato que não acontecia no país havia 84 anos, desde 1926, quando Arthur Bernardes entregou o cargo a Washington Luís.
Como registrou em um artigo em setembro o jornalista Elio Gaspari, assim como Washington Luís, a presidente eleita conquistou o cargo pelo voto direto e receberá o país das mãos de outro cidadão escolhido da mesma forma -e que, por sua vez, também chegou ao Planalto sucedendo outro governante, Fernando Henrique Cardoso, escolhido nas urnas.
Mas há uma peculiaridade extra. Washington Luís havia sido senador por São Paulo antes de ser presidente. Já Dilma nunca disputou uma eleição na vida antes dessa.
Esse feito ocorreu só uma vez no Brasil, há 65 anos: o marechal Eurico Gaspar Dutra foi eleito por meio do voto direto, em 1945, sem experiência anterior nas urnas.

CONTINUIDADE
Lula ter conseguido eleger sua sucessora também é algo raro na política brasileira.
O próprio presidente costuma se vangloriar que mesmo governantes populares, como Juscelino Kubitschek, não conseguiram transferir seu prestígio aos candidatos que apoiaram à sucessão.
O caso mais recente em que houve continuidade foi também atípico: Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 com o apoio de Itamar Franco, que o indicara ministro da Fazenda para implementar o Plano Real.
Mas Itamar assumira a Presidência após o impeachment de Fernando Collor, para um mandato de dois anos.
Antes disso, o último presidente a apoiar a eleição pelo voto direto de seu sucessor foi por Getúlio Vargas em 1945, dando suporte ao marechal marechal Dutra.
Dilma chegará ao Palácio do Planalto com o lastro da mais ampla aliança partidária montada em torno de um candidato vitorioso até hoje.
A presidente eleita contou com o apoio oficial recorde de dez partidos que integraram a coligação "Para o Brasil seguir mudando": PT, PMDB, PC do B, PDT, PR, PSB, PSC, PTC, PTN e PRB.
Serra, o segundo colocado, concorreu pela chapa "O Brasil pode mais", com seis siglas: PSDB, DEM, PTB, PPS, PMN e PT do B.
O PMDB comandou o processo de redemocratização do Brasil, no início da década de 80, mas esta é também a primeira vez que participa de uma chapa vitoriosa numa eleição presidencial direta.

PERFIL
Casada duas vezes, hoje divorciada, mãe de uma filha e com um neto nascido em setembro, Dilma é economista de formação e socialista por definição ideológica.
Leitora contumaz, cultiva também hobbies pouco conhecidos, como ouvir música em um iPod e mergulhar no mar ou em rios com o auxílio de cilindro de oxigênio.
Num país que enfrentou duas décadas de estagnação e momentos de inflação descontrolada, ela é a segunda pessoa formada em economia eleita presidente da República. O outro foi Collor.
Filha de um búlgaro naturalizado brasileiro, Pétar Russév (depois Pedro Rousseff), e de uma professora, Dilma Jane Silva, natural de Friburgo (RJ), Dilma nasceu em Belo Horizonte (MG), em 14 de dezembro de 1947.
Quando tomar posse, será a oitava mineira a ocupar o cargo de presidente. Minas Gerais lidera esse ranking, que tem o Rio Grande do Sul no segundo lugar, com seis.

GUERRILHA
Dilma será também a primeira ex-guerrilheira a comandar o Palácio do Planalto. Militou em organizações de esquerda desde os 16 anos, em Belo Horizonte.
Em 1968, passou a viver na clandestinidade. Usava documentos e nomes falsos como Estela, Luísa, Marina, Patrícia e Wanda. Atuava, sobretudo, no Rio e em São Paulo. Em um dos documentos forjados, declarava ter nascido no em São João da Boa Vista, no interior de SP.
Em janeiro de 1970, aos 22 anos, foi presa em São Paulo. Torturada nas primeiras semanas, cumpriu pena acusada de subversão. Ao sair da prisão no final de 1972, mudou-se para Porto Alegre (RS), onde morava e ainda vive seu segundo marido.
Dilma nega ter participado de ações armadas enquanto esteve na clandestinidade. Admite apenas ter participado de treinamento militar clandestino no Uruguai.
Ex-ministra das Minas e Energia (2003-2005) e da Casa Civil (2005-2010), Dilma construiu sólida carreira como burocrata de vários governos no Rio Grande do Sul. Nos anos 70, aproximou-se do MDB, o partido de oposição consentida à ditadura.
Só teve uma incursão frustrada na iniciativa privada. Abriu uma loja de bugigangas na década de 90, em Porto Alegre. A Pão & Circo vendia itens de pequeno valor, como brinquedos inspirados no desenho animado japonês "Cavaleiros do Zodíaco".
Abandonou a atividade comercial depois de um ano e cinco meses, em julho de 1996. Essa experiência como empresária não aparece em sua biografia oficial.
Com a abertura política, ajudou a fundar o PDT. Seguidora de Leonel Brizola (1922-2004), rompeu com o brizolismo em 2000 para permanecer na administração do petista Olívio Dutra na Prefeitura de Porto Alegre. Filiou-se ao PT em 2001.

SAÚDE
No ano passado, descobriu um câncer no sistema linfático. Submetida a radioterapia e quimioterapia, a petista foi dada como recuperada no final de 2009. Faz exames regulares para monitorar a saúde. Durante a campanha, não divulgou boletins médicos detalhados.
Na campanha, foi disciplinada: mudou o vestuário, tirou os óculos, fez intervenções plásticas no rosto e na região do pescoço e aceitou a contratação de um "hair stylist" para modernizar seu corte de cabelo.
Sua loquacidade ainda está distante da de um político profissional. Mas quem compara a Dilma de hoje com a de um ano atrás nota enorme diferença. Controlou parcialmente a impaciência. Parou de chamar repórteres de "santinha" ou "santinho", em tom de reprimenda.
A partir de hoje terá de começar a pensar na nomeação de 37 ministros e cerca de 20 mil funcionários em cargos comissionados. É uma incógnita como acomodará todos os partidos aliados e como se relacionará com Lula.
Terá de conciliar essas decisões políticas com sua maior meta anunciada, a de erradicar a pobreza extrema do Brasil até 2014.


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