São Paulo, quarta-feira, 01 de dezembro de 2010

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Alvo de críticas americanas foi Amorim, não Itamaraty

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Não é o Itamaraty, genericamente, que os Estados Unidos consideram (ou consideravam) adversário, conforme o documento do WikiLeaks ontem revelado pela Folha.
O alvo chama-se especificamente Celso Luís Nunes Amorim, chanceler da República desde janeiro de 2003.
E quem o qualificou como "inimigo ideológico" da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) tampouco foi um funcionário secundário da diplomacia americana, mas Roger Noriega, o ultra-direitista que era, à época, subsecretário de Estado para assuntos hemisféricos, ou seja, para as Américas.
Noriega fez o comentário em conversa informal com a Folha, em um intervalo de um simpósio em Miami, no qual se discutia a Alca.
A iniciativa foi prioridade para a diplomacia norte-americana mas esbarrou na resistência do governo brasileiro, desde Fernando Henrique Cardoso, endurecida no período Lula/Amorim.
A conversa, sem citar a fonte, já que fora informal, apareceu com todos os detalhes na edição do jornal de 19 de novembro de 2003. Agora que os documentos trazem uma informação muito parecida, não faz mais sentido preservá-la.

O DIÁLOGO
Vale, sim, rememorar algumas das informações:
1 - O governo George Bush via na criação do G20 (o comercial, não o financeiro) uma operação ideológica, de relançamento do conflito Norte-Sul, que foi um dos marcos da Guerra Fria.
O G20 foi duramente atacado por Robert Zoellick, então chefe do comércio exterior dos EUA, hoje presidente do Banco Mundial, com menções diretas ao papel do Brasil como responsável pelo fracasso da Conferência de Cancún da OMC (Organização Mundial do Comércio), em que se tentava avançar na Rodada Doha de liberalização comercial.
2 - A ofensiva contra Amorim só cedeu porque coube aos EUA serem os anfitriões de uma nova ministerial da OMC, em Miami. Como havia o risco de uma Cancún-2 em pleno solo norte-americano, Zoellick trabalhou com Amorim em uma proposta então batizada de Alca-light.
Noriega, na conversa com a Folha, admitia: "É melhor conseguir a metade do pão do que correr o risco de um fracasso". Depois, corrigiu: "Na verdade, os EUA sairão [de Miami] com 75% do pão".
Não saíram com nada porque a Alca continuou tropeçando até ser colocada em hibernação talvez definitiva.
O governo Bush trabalhava com o dado de que setores empresariais e do próprio governo queriam uma Alca robusta, ao contrário do Itamaraty. Noriega citou o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan, como um dos favoráveis a um acordo mais suculento.

MUDANÇA
É razoável supor que a posição norte-americana mudou pelo menos um pouco depois que Noriega foi substituído por Thomas Shannon, hoje embaixador em Brasília. A Folha ouviu de autoridades brasileiras mais de uma vez elogios ao desempenho de Shannon.
É igualmente razoável supor que a avaliação tenha mudado mais ainda depois que Bush deixou a Casa Branca para Barack Obama (o telegrama em que se critica o Itamaraty é pré-Obama).
Tanto é assim que o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, passou a ser interlocutor privilegiado e frequente do general Jim Jones, responsável pela Segurança Nacional na Casa Branca, prestes a deixar o cargo.


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