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Alvo de críticas americanas foi Amorim, não Itamaraty
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Não é o Itamaraty, genericamente, que os Estados Unidos consideram (ou consideravam) adversário, conforme
o documento do WikiLeaks
ontem revelado pela Folha.
O alvo chama-se especificamente Celso Luís Nunes
Amorim, chanceler da República desde janeiro de 2003.
E quem o qualificou como
"inimigo ideológico" da Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas) tampouco foi um
funcionário secundário da
diplomacia americana, mas
Roger Noriega, o ultra-direitista que era, à época, subsecretário de Estado para assuntos hemisféricos, ou seja,
para as Américas.
Noriega fez o comentário
em conversa informal com a
Folha, em um intervalo de
um simpósio em Miami, no
qual se discutia a Alca.
A iniciativa foi prioridade
para a diplomacia norte-americana mas esbarrou na
resistência do governo brasileiro, desde Fernando Henrique Cardoso, endurecida no
período Lula/Amorim.
A conversa, sem citar a
fonte, já que fora informal,
apareceu com todos os detalhes na edição do jornal de
19 de novembro de 2003.
Agora que os documentos
trazem uma informação muito parecida, não faz mais
sentido preservá-la.
O DIÁLOGO
Vale, sim, rememorar algumas das informações:
1 - O governo George Bush
via na criação do G20 (o comercial, não o financeiro)
uma operação ideológica, de
relançamento do conflito
Norte-Sul, que foi um dos
marcos da Guerra Fria.
O G20 foi duramente atacado por Robert Zoellick, então chefe do comércio exterior dos EUA, hoje presidente
do Banco Mundial, com menções diretas ao papel do Brasil como responsável pelo
fracasso da Conferência de
Cancún da OMC (Organização Mundial do Comércio),
em que se tentava avançar na
Rodada Doha de liberalização comercial.
2 - A ofensiva contra Amorim só cedeu porque coube
aos EUA serem os anfitriões
de uma nova ministerial da
OMC, em Miami. Como havia
o risco de uma Cancún-2 em
pleno solo norte-americano,
Zoellick trabalhou com Amorim em uma proposta então
batizada de Alca-light.
Noriega, na conversa com
a Folha, admitia: "É melhor
conseguir a metade do pão
do que correr o risco de um
fracasso". Depois, corrigiu:
"Na verdade, os EUA sairão
[de Miami] com 75% do pão".
Não saíram com nada porque a Alca continuou tropeçando até ser colocada em hibernação talvez definitiva.
O governo Bush trabalhava com o dado de que setores
empresariais e do próprio governo queriam uma Alca robusta, ao contrário do Itamaraty. Noriega citou o então
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz
Fernando Furlan, como um
dos favoráveis a um acordo
mais suculento.
MUDANÇA
É razoável supor que a posição norte-americana mudou pelo menos um pouco
depois que Noriega foi substituído por Thomas Shannon, hoje embaixador em
Brasília. A Folha ouviu de
autoridades brasileiras mais
de uma vez elogios ao desempenho de Shannon.
É igualmente razoável supor que a avaliação tenha
mudado mais ainda depois
que Bush deixou a Casa
Branca para Barack Obama
(o telegrama em que se critica o Itamaraty é pré-Obama).
Tanto é assim que o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, passou a
ser interlocutor privilegiado
e frequente do general Jim Jones, responsável pela Segurança Nacional na Casa Branca, prestes a deixar o cargo.
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