São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010 |
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Judiciário é autoritário, diz brasilianista Para Anthony Pereira, as Forças Armadas e a Justiça não mudaram durante a transição do país para a democracia A grande injustiça do processo de transição, afirma Pereira, não é "a falta de punição, mas a falta de informação"
LUCAS FERRAZ
Folha - O Brasil condena, mas não pune a tortura, como ficou evidente no episódio recente do julgamento da Lei da Anistia, pelo Supremo. Qual o reflexo disso para o país? Anthony Pereira - O Brasil optou por fazer menos do que outras sociedades. Mas gostaria de distinguir entre anistia e investigação. O fato de a anistia ter sido mantida não implica impossibilidade de investigação. A grande injustiça da transição não é necessariamente a falta de punição, mas a falta de informação e de verdade. Como é possível não julgar torturadores e conseguir a reconciliação nacional? É contraditório. A punição é mais importante para o futuro, para mostrar que se está construindo uma sociedade de direito. Mas o Brasil não é isolado neste ponto. Há outros casos históricos em que ocorreram violações dos direitos humanos e os vencedores decidiram não punir. Só após a segunda metade do século 20 é que surge essa força dos direitos humanos para não permitir a impunidade. Isso começou após a Segunda Guerra Mundial, com o processo de Nuremberg, continuando até o caso da África da Sul, uma escolha interessante, de fornecer anistia em troca de informação concreta sobre crimes. É possível, 25 anos depois, avaliar o impacto dessa conciliação nacional sobre direitos humanos e das minorias? É um paradoxo e cria problemas. Uma comparação viável é com uma pessoa traumatizada, que se nega a falar sobre determinado assunto porque quer esquecer o trauma. Mas o trauma, inconscientemente, volta. É mais fácil olhar para trás em países onde ocorreu engajamento. É uma certa ameaça para a garantia dos direitos humanos, das minorias. O traço autoritário ainda é presente no Judiciário? Sim, e um exemplo é o sistema de Justiça Militar. No nível federal, o militar, cometendo crimes comuns, vai para a Justiça Militar, que tem os traços corporativos. Muitos países limitaram a jurisdição militar. Em nível estadual, policiais militares só são julgados na Justiça comum em casos de homicídio doloso. Outros crimes comuns também vão para a Justiça Militar estadual. Há um conservadorismo forte no Judiciário, como nas Forças Armadas. No Chile, houve uma reforma judicial ampla. No Brasil é tímido. O autoritarismo no Judiciário é um legado da ditadura? Reflete alguns desses legados. O Judiciário autoritário é o legado mais forte. As Forças Armadas e o Judiciário não mudaram, foram preservados durante a transição. Mas não há uma receita mágica para extirpar esses entulhos autoritários e democratizar as instituições. Certamente há uma insatisfação grande com a Justiça. Há relação entre autoritarismo e ineficiência da Justiça? O frustrante para os brasileiros é a observação de que as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema. Apesar de todo o sistema, leis e tribunais, não há Estado de Direito. Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É um autoritarismo social, não o autoritarismo em termos de sistema político. Como a famosa frase: "Aos amigos tudo, aos inimigos a lei". É a ideia de que se usa a lei para punir, sejam opositores ou desfavorecidos sociais. Texto Anterior: Janio de Freitas: Enfim, logo mais Próximo Texto: Estudioso foi professor de espião russo Índice | Comunicar Erros |
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