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ENTREVISTA DA 2ª ABDIAS NASCIMENTO
Pouco ousado, Lula não foi até o fim contra racismo
INDICADO AO NOBEL, LÍDER NEGRO FAZ A DEFESA DE MARINA E DIZ QUE DISCURSO DA MISCIGENAÇÃO É UMA COBERTURA MORAL PARA O PRECONCEITO
PLÍNIO FRAGA
DO RIO
No dia 8 de outubro, uma
comissão escolhida pelo Parlamento norueguês apontará
qual dos 237 indicados receberá o Prêmio Nobel da paz
deste ano. Entre eles, o militante do movimento negro
Abdias Nascimento, 96.
A indicação ao Nobel é o
mais novo item no currículo
deste pintor, dramaturgo, escritor, poeta e fundador do
Teatro Experimental do Negro em 1944.
Ex-senador pelo PDT (suplente, assumiu duas vezes a
vaga de Darcy Ribeiro), Abdias não crê que será o escolhido: "Não acredito em vitória porque depende de uma
mobilização muito grande de
pessoas importantes para
sensibilizar aquele povo de
Oslo. E eu não tenho isso".
Recém-recuperado de problemas de saúde, ele mantém o bom humor e o apetite:
"Como feijoada, mocotó, picanha. Muita pimenta. No almoço e no jantar."
Adbias recebeu a Folha na sede do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, fundado por ele.
Folha - O Supremo Tribunal
Federal decide sobre a constitucionalidade das cotas raciais. O sr. é a favor das cotas?
Abdias Nascimento - Claro.
Já que houve restrições é importante que haja também
leis que assegurem valores
como ingressar na universidade. Em 1946, na Constituinte, eu já falava dessas
coisas, de como criar uma
forma de ajudar, auxiliar os
descendentes de africanos
no Brasil.
É preciso dar apoio material objetivo aos afrodescendentes... A abolição não aboliu as restrições econômicas.
Aboliu e daí? O que aconteceu? Não aconteceu nada
que favorecesse realmente o
descendente africano.
Os críticos defendem cotas
sociais ou de renda, que beneficiem não só os negros,
mas todos os mais pobres.
Os outros não tiveram esse
tipo de entrave. Por que é
preciso especificamente esse
tipo de reparação? A injustiça em cima dos africanos e
descendentes continuou
mesmo depois da abolição.
A sociedade brasileira nasceu sob o signo do racismo e
continua racista até agora.
Então o Estado deve intervir?
São necessárias leis de
apoio bem claras. Não foi na
lei que se inscreveu que o negro era escravo? Estava lá escrito. Havia políticos defendendo isso no Parlamento.
Não há nada de mais que
sejam escritas nas leis do
país uma série de garantias
para que os negros possam
cursar a faculdade, que o negro possa entrar nesta ou naquela carreira, no serviço público. Dos mais de dez ministros do STF só há um negro.
Tinha de ter o mesmo número de negros e brancos. Isto é
o que seria a Justiça no país.
Há quem diga que o Brasil é
miscigenado, e por isso não
faria sentido enxergar divisão racial aqui.
Isto é a cretinice brasileira,
a falta de caráter, a sem-vergonhice brasileira. Isso vem
de longe. Este discurso é para
ajudar o Brasil a continuar
racista. A continuar a ter a cobertura moral para o racismo. Eles querem até isto.
O sr. acha que o tema racial
deveria ser levado à pauta
nas eleições? Por quem?
Quem poderia fazer isso,
mas não gosta das coisas não
convencionais, é a Marina
[Silva (PV)]. Mas ela não vai
nada além das coisas que são
aceitáveis. Estive com ela no
Senado e vi que tem caráter
para levantar a discussão.
Mas falta alguma coisa.
Ela é melhor candidata na sua
opinião?
Sem dúvida nenhuma.
Tem qualidades e preparo. É
de classe humilde, apesar de
ter aprendido a ler muito depois de adulta, tem qualidade. Uma das primeiras solidariedades que tive no Senado foi a dela. Todo mundo sabe das minhas posições em
defesa da minha raça. E ela
não teve medo em vir me
abraçar e se colocar à disposição para a ajuda que ela pudesse dar. Não recebi dos outros nenhum apoio.
Como analisa os dois mandatos do governo Lula?
Teve atos que favoreceram
os mais humildes, mas foi
uma coisa medrosa, não enfrentando os tabus brasileiros. O Lula, sendo humilde,
não se negou a dar as mãos
às classes humildes, desprestigiadas. Mas foi pouco ousado no geral. Não chegou ao
fim das consequências. Nomeou o [Gilberto] Gil ministro, mas tinha de colocar um
lutador, um defensor da causa negra. Não teve coragem
de colocar um negro aguerrido na linha de frente.
Obama é criticado por muitos
por não fazer um discurso
constante de reafirmação de
sua cor. Concorda com esse
tipo de crítica?
Não. Isso é coisa secundária. A função dele é delicada
e ele tem que falar para os
dois lados que votaram nele.
Tem de falar para toda a nação, composta de gente de
várias raças, várias misturas.
Está certo. Não precisa estar
a todo instante reafirmando
sua origem. Está na cara.
Ele falou que o Lula é o cara, mas ele também é o cara.
Não precisa ficar lembrando
a todo momento que tem estas e estas origens.
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