São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ELIO GASPARI

Luiz Zidane Lula da Silva


O presidente não pode sair por aí dando cabeçadas des-leais nos adversários; no "dia da farsa", o farsante foi ele

PARA FICAR NA METÁFORA de Lula, seu comportamento ao comparar o ataque sofrido por José Serra no Rio ao teatrinho do goleiro chileno Roberto Rojas foi semelhante ao do jogador francês Zinedine Zidane quando deu uma cabeçada no zagueiro italiano Materazzi, em 2006.
Lula deve desculpas a Serra. Chamou-o de mentiroso sem ver os vídeos que reconstituem o incidente. Se os tivesse visto, não teria mentido, pois só uma pessoa desonesta (e as houve, muitas) não via que retratavam dois episódios, distintos. Serra foi atingido duas vezes, por uma bola de papel e por um objeto mais pesado. A entrada de Nosso Guia no debate foi um golpe desleal, demagógico.
Se tivesse ocorrido um "dia da farsa", com Serra simulando uma agressão, teria havido uma malfeitoria de candidato. Infelizmente o farsante foi Lula, no exercício da Presidência da República, função que está obrigado a honrar até o dia 1º de janeiro de 2011.

LÉVI-STRAUSS, O DOS LIVROS, NÃO O DOS JEANS

Saiu nos Estados Unidos uma boa biografia do antropólogo Claude Lévi-Strauss, morto em 2009, em Paris, quando se aproximava dos 101 anos. Seu autor é o jornalista australiano Patrick Wilcken, que já escreveu "O Império à Deriva", contando a passagem de d. João 6º pelo Brasil. Ele conseguiu uma proeza, um livro legível e movimentado sobre um pensador recluso e seco, pai de uma teoria chamada de "antropologia estruturalista" que escreveu obras intituladas de "As Estruturas Elementares do Parentesco" ou "O Totemismo Hoje".
Lévi-Strauss começou sua carreira acadêmica no Brasil, acompanhando durante oito meses a vida de índios da Amazônia. Entre 1935 e 1939, conviveu em São Paulo com Mário de Andrade (que manteve uma correspondência sentimental com sua mulher, Dina) e no mato, acompanhando os bororo e os nambikwara. O pesquisador carregava consigo a macaquinha Lucinda. Dessa viagem resultou "Tristes Trópicos", seu livro mais famoso, publicado em 1955.
O segredo de Wilcken esteve em separar, até onde foi possível, a aventura da vida de Lévi-Strauss da complexidade dos debates filosóficos em que se envolveu. O professor lidou com mitos indígenas e sábios gregos, numa linguagem sempre difícil, às vezes indecifrável para os leigos. Wilcken mostrou um personagem vivo, a quem um garçom de San Francisco perguntou, ao conferir o nome de quem reservara a mesa: "O da calça ou o dos livros?"
Wilcken trabalhou com as anotações pessoais de Lévi-Strauss, suas cartas e o primeiro original de "Tristes Trópicos". Contou a vida de um intelectual francês que, em 80 anos de reflexões, foi da esquerda socialista parisiense e da boêmia do Greenwich Village para um discreto tradicionalismo. Nesse retrato está a grande virtude do livro.
Aos 82 anos, Lévi-Strauss foi contra a entrada de mulheres na Academia Francesa, mas, durante a Segunda Guerra, teve a vida salva, ou pelo menos a liberdade, porque exilou-se nos Estados Unidos. Colegas seus do Museu do Homem foram fuzilados ou mandados para campos de concentração.
Na segunda metade da biografia Wilcken expõe a construção e as polêmicas que cercaram o estruturalismo. A leitura dessa parte exige um interesse indispensável para quem quer saber da vida do fundador de uma relevante corrente filosófica, hoje bastante esmaecida.
- "Claude Lévi-Strauss - The Poet in the Laboratory" está disponível nas lojas de livros eletrônicos da Amazon e da Apple. Custa 14,99 dólares (R$ 25,50). Rompida a barreira do idioma, o e-book é um grande negócio. Sai pela metade do preço de um volume semelhante, em português.

DA PESADA
Uma investigação conduzida pela Polícia Federal estourou uma quadrilha que agia dentro do setor de fiscalização da Delegacia da Receita Federal de São Paulo. Há um auditor preso e quilos de documentação apreendida. Pelo comportamento dos incriminados, o que não lhes falta é ousadia.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, mas acha que descobriu um método para avaliar a importância de um assunto. Se algum magano diz que uma coisa é um "factoide", o cretino convence-se de que há caroço naquele angu.
Segundo Eremildo, sua teoria pode ser provada na voz dos poderosos: Dilma Rousseff, diante das primeiras denúncias contra Erenice Guerra: "É um factoide".
José Serra, diante de perguntas sobre as denúncias relacionadas com "Paulo Preto": "Não sei quem é "Paulo Preto". Isso é um factoide".

MADAME NATASHA
Madame Natasha adora aulas magnas e está inconsolável por ter perdido a palestra da professora Hélène Trocmé-Fabre na FGV-SP relacionada com a necessidade de se "reinventar o ofício de aprender".
Num anúncio do evento informava-se que "imagens fractais ilustram o extraordinário poder organizador e recursos de criação dos acontecimentos mentais da nossa vida cognitiva". A professora lida com "o conceito de Aprendência" e "apresenta considerações fundantes sobre o valor da linguagem do vivente", explorando "a transição educativa de aprendizagem recíproca e da organização aprendente".
Natasha não tem a menor ideia do que estão falando.

LULA 65
Neste final de campanha, Lula levou aos palanques um bordão imperial. Como completa 65 anos na quarta-feira, pediu em pelo menos três comícios (no Piauí, no Pará e em Goiás) que os eleitores lhe deem a eleição de Dilma Rousseff de "presente de aniversário".
Noves fora a pobreza de associar o mandato de presidente da República a um mimo afetivo, o lance indica o grau de personalismo que Nosso Guia impôs a sua atividade política. Desde o Império, quando se festejava o aniversário de d. Pedro 2º (2 de dezembro), nunca na história deste país um governante transformou seu aniversário em efeméride política.

CARIMBOS
É dura a vida dos jornalistas obrigados a carimbar a personalidade política dos outros. Lula não sabe, mas o repórter Larry Rohter, que ele quis expulsar do Brasil, batalhou duramente para que o "New York Times" deixasse de rotulá-lo como "esquerdista". Na semana passada, na coluna "Lex", o "Financial Times" classificou José Serra como "o candidato de direita". Em agosto, no mesmo jornal, o PSDB era "centrista", mas em outubro tornou-se de "centro-direita".

SILÊNCIO DE OURO
De cada dez sábios do tucanato envolvidos na queima de patrimônio da Viúva durante o tucanato, nove ficaram calados diante da satanização da privataria pelo PT. Ingratos, pois alguns deles são hoje pessoas riquíssimas.

NO LIMITE
O segundo turno foi para a resistência física de Dilma Rousseff algo como a descoberta, por um atleta, de que, ao final de uma corrida de mil metros, faltam mais 500. Tudo isso com um tornozelo atucanado.


Texto Anterior: Saiba mais: Prescrição pode ocorrer a partir de agosto de 2011
Próximo Texto: Janio de Freitas: A semana de suspense
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.