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A expansão do Brasil
As Bases da Formação Territorial do Brasil -
O Território Colonial Brasileiro
no "Longo" Século 16
Antonio Carlos Robert Moraes
Hucitec (Tel. 0/xx/11/543-5810)
431 págs., R$ 48,00
LIGIA OSORIO SILVA
Na década de 70, quando iniciou-se na universidade brasileira o processo de compartimentação das ciências sociais, a
geografia foi para um lado -juntou-se às ciências da terra,
ramo mais próximo das ciências exatas que das humanidades- e a história foi para outro, separada também da sociologia, da política e da antropologia e longe da economia.
A separação burocrática das "disciplinas" deve ter servido
a algum propósito, mas certamente não obedeceu a critérios
científicos. No passado, a união proveitosa de geografia e
história deu-nos clássicos como "Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil", de Capistrano de Abreu, para citar
apenas um. O livro de Antonio Carlos Robert Moraes, felizmente, insere-se nessa fecunda tradição e é o resultado do
olhar investigativo do geógrafo sobre um tema ao mesmo
tempo histórico e geográfico, político e econômico, possuindo evidentes implicações para a antropologia.
O tema examinado, as bases da formação territorial do
Brasil, lançadas nos séculos 16 e 17, exigiu do autor certos
cuidados de aproximação: não ceder aos mitos da bandeirologia, ultrapassar o horizonte de uma história do Brasil que
se fazia pela sucessão de ciclos econômicos e não sucumbir à
tentação de ver uma intencionalidade total nas ações que levaram à expansão espacial. Ele evita com sucesso enveredar
por essas sendas batidas e aos poucos vai delineando a definição do território colonial português, a partir da conquista
dos espaços indígenas e da rivalidade com as demais potências européias e com a Igreja. Vamos percebendo que o processo de formação foi instigado, talvez, mais pelas distintas
motivações geopolíticas de Portugal do que por suas necessidades econômicas.
A periodização adotada por Robert Moraes quebra a falsa
unidade dos 300 anos de colonização lusitana. O processo
inicia-se com o período de descoberta e exploração, quando
as terras brasileiras eram apenas o pouso na carreira da Índia. Depois, a instalação efetiva começa em 1530, quando
manter a soberania sobre as possessões americanas definidas em Tordesilhas se tornou uma diretriz da ação metropolitana. A maior preocupação da metrópole era então garantir o domínio da colônia, ameaçado pela presença francesa
cada vez mais intensa, estimulada pela descoberta das minas
de Potosi, no Alto Peru. As capitanias hereditárias e a instituição do governo geral, em 1549, foram iniciativas nesse
sentido, mas sobretudo a difusão do cultivo e processamento do açúcar em larga escala permitiram o cumprimento dos
objetivos geopolíticos da metrópole.
O período seguinte foi de crucial importância pelas consequências que teve. A união das coroas ibéricas e a perda de
soberania de Portugal, em 1580, deram origem ao Brasil hispânico que durou 60 anos, durante os quais a linha demarcatória de Tordesilhas perdeu o sentido. É no período filipino que tem início a significativa expansão espacial do século
17, que esboçou a configuração atual do território brasileiro.
No sul, formou-se uma rede luso-brasileira a partir de
Buenos Aires; no oeste, o sopé da cordilheira dos Andes foi
alcançado; e, ao norte, são lançadas as bases de controle da
bacia do Amazonas. Mas, paralelamente à dilatação do território, ocorre a desintegração da colônia em diferentes esferas de domínio. O projeto missionário da Igreja Católica, no
sul, a organização autônoma do estado do Maranhão e o enclave de Palmares subtraíram áreas importantes do domínio
político da metrópole. E, sem dúvida, a invasão holandesa
do Nordeste brasileiro, desdobramento das lutas pela supremacia universal da Espanha, representou a ameaça mais
grave de fragmentação do espaço colonial. Ressalta no período a especificidade do projeto de colonização da Igreja
Católica nos territórios missioneiros, localizados, em geral,
nas zonas limítrofes entre as possessões espanhola e portuguesa. Nota com razão o autor que as reais motivações desse
projeto ainda permanecem matéria polêmica, a exigir mais
pesquisa sobre o assunto.
A segunda metade do século 17 viu a consolidação do domínio territorial e a integração da América portuguesa, junto com a restauração no reino. Entretanto a recuperação da
autonomia política de Portugal se fez a um custo muito alto.
Entre outras coisas, foi preciso costurar as alianças necessárias no cenário europeu e ceder fatias do mercado colonial
para garantir apoios. Arruinada pela guerra de independência, Portugal procurou reforçar em alguns pontos o exclusivo colonial instaurado pela Espanha, mas, com o açúcar brasileiro em crise nas últimas décadas do século 17, praticou
apenas um mercantilismo tardio e inoperante. Quando a redenção parecia possível no Setecentos, com a descoberta do
ouro, a economia portuguesa já estava irremediavelmente
subordinada à Inglaterra. Nesse século começam a se separar com mais clareza os destinos até então cruzados da metrópole e da colônia.
O intenso interesse que desperta a leitura do livro de Robert Moraes não impede que se façam alguns reparos à organização geral da exposição. O livro começa por uma longa
discussão sobre os problemas da historiografia da época
moderna e, particularmente, sobre a questão do papel da
acumulação primitiva e suas relações com a colonização e o
surgimento do capitalismo, somente em razão da qual o
"longo" século 16 é caracterizado. Isso relega o início do tratamento do tema central para o capítulo dez. Além disso, fica-se com a impressão de que a influência de Fernand Braudel não ultrapassou o subtítulo do livro, uma vez que sua interpretação sobre a economia da época moderna, na qual o
conceito de acumulação primitiva está notavelmente ausente, não aparece discutida.
Ligia Osorio Silva é professora de história econômica do Instituto de Economia
da Unicamp.
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