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O ator Paulo Autran escreve sobre livro de memórias de Peter Brook,
um dos mais importantes diretores deste século
Um mestre do teatro
PAULO AUTRAN
Um livro muito agradável mesmo para
quem não se interessa por teatro. Peter Brook
escreve bem e a tradução é fluente, apesar de
seguir a corrente jornalística atual, que não dá
muita importância a questões gramaticais. Os
assuntos são vários. O autor escolheu alguns
momentos de sua vida para induzir o leitor a
uma meditação sobre Gurdjieff, que ele conheceu por meio de duas mulheres, sucessivamente: Jane Heap e madame Salzmann. É
um prato para os que acompanham a moda
mística deste fim de século. Fala-se muito em
"comunhão com o universo", em "percepção
do tempo" ou coisas equivalentes. Os muitos
"sensíveis" vão se deliciar.
Peter Brook diz, por exemplo, que em sua
infância os pais conversavam em russo, mas
que ele se recusou a aprender a língua. E
acrescenta: "Mas hoje, quando ouço russo falado, mesmo que não tenha a menor idéia do
que está sendo dito, tenho uma sensação profunda de compreensão por meio de camadas
de sentido mais profundas que o entendimento". Brook é um sensível, sem dúvida.
Ao ler esse trecho, lembrei-me de um colega brasileiro que pertenceu a um grupo que também fazia experiências e pesquisas. Ele foi com o grupo para uma cidade do interior paulista para realizar um evento. O
grupo todo deu uma volta em torno da praça principal
olhando fixamente cada espectador para, segundo ele,
transmitir o amor que o grupo trouxera para dar. O colega me disse que foi uma emoção indescritível receber
em troca o calor humano das pessoas fixadas e que,
com certeza, aquilo tinha mudado a mente de cada habitante local. Tempos depois, ao fazer um espetáculo
na mesma cidade, perguntei pelo evento. Disseram-me: "Ah! Sim! Esteve aqui um pessoal que fez uma procissão sem santos na praça e depois foi embora. Foi gozado, porque eles não riam".
Ainda não fui abençoado por nenhuma "revelação"
mística e, por isso, não estou à altura de acompanhar
as viagens místicas do senhor Brook, e, por outro lado,
ele não é grande filósofo nem tem pretensões a sê-lo.
Teatro e cinema
Peter Brook é um grande diretor de teatro e de cinema. Trabalhou e trabalha com grandes atores e já inscreveu seu nome na história do teatro. Sua célebre direção de "Marat-Sade" já foi louvada em todos os tons.
O seu "Rei Lear" idem, para citar apenas dois trabalhos
seus.
Neste livro são interessantíssimas suas observações
sobre Jeanne Moreau, sobre a filmagem de "Moderato
Cantabile", de Marguerite Duras, sobre a impossibilidade de trabalhar com noções de física quântica em
teatro (pena que alguns jovens diretores do nosso teatro não tenham lido esse capítulo antes), sobre John
Gielgud, Laurence Olivier, Glenda Jackson, Salvador
Dalí, Paul Scofield e tantos outros. Sempre que se refere às montagens efetuadas, às razões que as motivaram, aos meios que ele usou, à interpretação dos atores, a sua direção, a sua trajetória como diretor de teatro e de cinema, prende a atenção de qualquer leitor,
especialmente da classe teatral e dos aficionados de
teatro e de cinema.
Quando narra fatos autobiográficos, infância, adolescência, serviço militar, ele o faz lindamente, revestindo de poesia suas evocações.
Há, é claro, uma insistência em descrever momentos
emocionais que procuram revelar uma "sensibilidade" única, peculiar, extraordinária, que, na verdade,
não é tão única nem tão peculiar nem tão extraordinária, porque encontra eco na maior parte dos seres humanos. Exemplo: chegando à adolescência, está deitado no campo sozinho, coloca o dedo numa pedra e, de
repente, "sente" que a realidade exterior se transformou por segundos e que ele "faz parte do universo"
(não estou citando textualmente). É um momento que
revela uma "sensação" semelhante a outras que todos
já tivemos. O que é diferente é a importância que ele dá
a esse belo momento. Ele é sensível, já dissemos.
Em livro anterior, "O Ponto de Mudança", Peter
Brook narra detalhadamente a viagem que fez pelos vilarejos africanos e lhe dá uma grande importância. A
impressão que tivemos ao tomar conhecimento pela
primeira vez dessa viagem, confirmada agora no segundo livro, foi a da inutilidade artística daquela chamada pesquisa. Conhecer lugares, pessoas, viajar, participar de costumes diferentes é delicioso e enriquecedor, não há dúvida, qualquer turista inteligente sabe
disso. Mas custa muito dinheiro. Para pesquisar como
o ator faz ou pode fazer contato com uma platéia desconhecida, quando esse contato se inicia, quando ele
se interrompe e por que não é necessário usar US$ 3
milhões e viajar para tão longe com um grupo tão
grande. E não havia nenhuma intenção nisso tudo, nenhum trabalho ou espetáculo em mente, era pesquisa
pelo prazer da pesquisa, sem finalidade, inútil!
Peter Brook é mestre de teatro, temos muito que
aprender com ele. Pena que não se atenha ao assunto
que domina totalmente. Quando quer se transformar
em guru (título que, aliás, recusa), mostra fragilidades
de um inexperiente mentor espiritual, de um filósofo
incipiente que melhor seria passassem despercebidas.
Nada como aquele velho ditado: "Cada macaco no seu
galho". E é exatamente por isso, caro leitor, que me
sinto um pouco ridículo invadindo um campo que não
é o meu. E assim ponho a viola no saco e prometo: esta
será minha primeira e última crítica.
Paulo Autran é ator.
Fios do Tempo - Memórias
Peter Brook
Tradução: Carolina Araújo
Bertrand Brasil (Tel. 0/xx/21/263-2082)
312 págs., R$ 39,00
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