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O designer perpétuo
A teoria da evolução contra o desígnio divino
O Relojoeiro Cego
Richard Dawkins
Tradução: Laura Teixeira Motta
Cia. das Letras
(Tel. 0/xx/ 11/ 3167-0801)
488 págs., R$ 37,00
CRODOWALDO PAVAN
Não há nada mais interessante e
prazeroso do que ler um livro de
forma despretensiosa no mais puro sentido do entretenimento.
Mas quanto a isso dirão: basta escolher um bom romance e está resolvido. Entretanto, quando o assunto é biologia, ou mais especificamente a evolução das espécies,
como proposta por Charles Darwin e contestada por seitas religiosas, aí a leitura se torna também instrutiva e desejada.
Essas seitas religiosas não apenas refutam a concepção da evolução das espécies, mas ainda
proíbem que seja discutida e mesmo lecionada em escolas que estão sob o seu controle. Situação
absurda ocorre com um bom número de nossos alunos de ciências
biológicas que, aprovados em
curso de graduação e mesmo pós-graduação, propalam não acreditar na evolução das espécies. Muitos deles serão professores de biologia do curso médio e mesmo do
curso superior, para a infelicidade
de seus futuros alunos.
Para nós, brasileiros, com a nossa cultura pluralista, o criacionismo -a natureza concebida e
criada segundo a vontade de
Deus- não é necessariamente
uma idéia imposta por questões
religiosas. O evolucionismo é entendido como uma teoria científica bem alicerçada, se bem que
pouco conhecida pela maioria da
população, a não ser pelos próprios especialistas, para quem a
evolução da espécies há muito
deixou de ser teoria e hoje é fato
consumado e, em sua essência,
demonstrado cientificamente.
Enquanto nos EUA, por exemplo,
há regiões em que não se permite
sequer que seja comentada a teoria evolucionista.
Dawkins concebeu seu livro
com a missão de desvendar o
enigma da origem da natureza e,
por contingência, a nossa origem,
destinado a um público em que
ainda encontramos diversas pessoas que, por sua crença criacionista, não acreditam na evolução
das espécies, como pregam os
cientistas. O autor logo no início
faz sua profissão de fé: "Posso não
estar sempre certo, mas dedico-me apaixonadamente à verdade e
nunca digo algo em cuja verdade
não acredito". Essa tônica de paixão e verdade sustentará as mais
de 400 páginas de persuasão e defesa da causa evolucionista.
O estilo é de puro engajamento
em nome da causa do evolucionismo, que vem com uma precisa
definição de divulgação científica:
"Explicar é uma arte difícil. Pode-se explicar algo de modo que o leitor entenda as palavras; e pode-se
explicar algo de modo que a pessoa se sinta tomada pelo assunto.
Para conseguir este último resultado, por vezes não basta exibir os
dados de forma desapaixonada.
Há que se tornar um advogado e
lançar mão de todos os truques
dessa profissão. Este livro não é
um frio tratado científico".
Depois do primeiro capítulo,
em que o autor faz ressalvas, posicionamentos e consequente discussão de suas proposições filosóficas, os dez capítulos seguintes
compõem uma narrativa com
muita vivacidade, explicitando o
design da natureza e as explicações sobre essa complexidade toda que é a vida no mundo em que
vivemos.
Encontra-se um jogo interpretativo entre design e desígnio. O
design remete a um conceito visual da forma de um objeto, e desígnio, ao projeto com destino determinado. Assim o emprego de
design, além da significação normal, se mescla ao de desígnio, assumindo também este sentido. O
significado de design torna-se
mais forte: trata-se do objeto com
uma forma determinada pela seleção das espécies e necessariamente para aquele uso e formato.
Evolução construtiva
O livro é feito da perspectiva da
visão. A começar pela detalhada
descrição do olho, como um órgão. O universo biológico é apresentado como uma construção e
expressão, em permanente evolução, oferecendo-se à observação e
admiração como resultado do design, de sua constituição. Os elementos constitutivos da biologia
apresentam-se no imenso projeto
de uma engenharia complexa: cada componente pode ser um microelemento como a célula, uma
bactéria, um unicelular, um pluricelular, uma planta, um animal,
um invertebrado, um vertebrado,
chegando até a um ser pensante
capaz de não apenas interpretar
grande parte do que ocorreu desde a origem do Universo, mas
também com pretensões de controlar o sistema vivo na superfície
da Terra.
O designer -ou o projetista ou
ainda o artífice- é a força inexorável da natureza que se constrói e
se desenvolve a partir dos elementos oferecidos pela própria natureza. Os caminhos que a evolução
natural procura têm uma lógica
intrínseca, os elementos são fornecidos por ela mesma, praticando a seleção da evolução das espécies. O processo da evolução pode
até ser considerado aleatório, mas
cada passo evolutivo no tempo
biológico ocorreu com precisão.
Os que não se formaram com essa
precisão foram eliminados pela
seleção natural. Essa caminhada é
cega, mas com resultados de um
mecanismo com funcionamento
à perfeição do relógio; suas relações combinatórias e suas engrenagens articulam-se com precisão.
O livro atinge os seus propósitos, pois explica o evolucionismo
usando de um instrumental narrativo excepcional. O autor se
apropria com destreza das explicações necessárias de diversas
disciplinas da ciência. Além de
zoólogo, Dawkins excursionou
pelo mundo da informática e se
mostra ainda exímio programador, desde os tempos dos remotos
computadores dos anos 80.
É dessa época um programa engenhoso de biomorfos, um simulador que, dadas algumas premissas mínimas, permite ao programa que vá criando formas auto-sugeridas. Não se trata de um jogo
eletrônico. Foram dados comandos e regras específicas para o
programa trabalhar. Na forma de
um ponto, iniciam-se traços que
se articulam até surgirem formas
primordiais e assim por diante,
até formarem imagens que lembram aranhas, insetos, árvores
etc.
Ao programa foram sugeridos,
num dado momento, nove passos
evolutivos, na tentativa de rever
os passos da evolução das espécies. Essa simulação gerou troncos evolutivos que, na sua caminhada do tempo biológico, puderam resultar em figuras em forma
de árvores, insetos, crustáceos etc.
A surpresa do bom resultado foi
que o programa não permitia alterações além do comando inicial;
portanto o programador não pode interferir no resultado.
A indagação filosófica: de onde
viemos, quem somos e para onde
vamos, que deu nome até a uma
das obras-primas do pintor Paul
Gauguin, resume numa brevidade absoluta a explicação da teoria
evolucionista de Darwin, em contraposição ao pensamento bíblico
dos criacionistas que postulam "e
Deus criou o mundo". Essa síntese poderia aparentemente conter
o objetivo que moveu Dawkins a
escrever este livro.
Zoólogo de formação, ele constrói o texto com doses de humor e
muita paixão para explicar a origem das espécies e sua consequente evolução. Ao mesmo tempo, tem uma devoção sem limites
às concepções de Darwin. Felizmente seu discurso vem impregnado de uma oratória do convencimento, "na mesma forma com
que um advogado defende sua
causa". Pacientemente constrói
uma obra explicativa, envolvente,
em que as informações jorram linha por linha, procurando tornar
o leitor cúmplice de idéias paradoxais que acentuam como a biologia é altamente complexa e a física relativamente simples.
Crodowaldo Pavan é biólogo, professor
emérito da USP e da Unicamp, e presidente da Associação Brasileira de Divulgação Científica (Abradic).
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