São Paulo, sábado, 12 de setembro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A utopia de Mário Pedrosa
CARLOS ZILIO
A questão política é central no seu pensamento e nos envia ao debate dentro da esquerda e à sua opção pelo trotskismo. Em 1938, Mário vai para os Estados Unidos, sede da Quarta Internacional, e consegue um trabalho no Museu da Arte Moderna de Nova York. Neste mesmo ano, a "Partisan Review" publica, com o título de "Arte e Política", uma carta de Trótski contra a concepção stalinista de arte, defendendo uma arte independente e ressaltando sua capacidade subversiva e crítica. Seria importante apontar, mesmo que genericamente, um paralelo entre a repercussão das proposições de Trótski na crítica norte-americana, particularmente em Greenberg (que publica em 1939 "Avant-Garde e Kitsch") e as concepções de Mário. Ilhado no seu formalismo, Greenberg se coloca como defensor da vanguarda e do progresso e, em nome de uma "qualidade", acaba por colocar a arte num campo neutro e ideal. Já a inspiração trotskista politiza a relação entre arte e exercício da liberdade, bases da proposta de Mário. Não se tratava apenas de uma defesa da instrumentalização ideológica da arte, mas de considerar, segundo ele, os mecanismos que atuam no capitalismo com o propósito de retirar da arte "suas aspirações libertárias" que estavam nas "origens anticapitalistas da arte moderna". Os artistas brasileiros que mais marcaram a crítica de Pedrosa foram Volpi, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Volpi seria o patriarca que teria apontado a possibilidade de inter-relação na arte moderna do nacional e o internacional. Como bem aponta Otília Arantes, referindo-se às posições de Mário nos anos 1950, o que se poderia definir como brasileiro seria a redescoberta de nossa natureza, mas vista "enquanto um constructo-resultado de uma mediação formal, uma experiência a um tempo afetiva e intelectual, filtrada pela organização". Essa concepção nos permite abordar Volpi e Hélio, mas dificilmente abrangeria Lygia Clark. Neste momento, nota-se nas críticas de Mário um deslocamento que o aproxima a Husserl, movimento que era o apoio necessário para que o grupo neoconcreto se afastasse do gestaltismo em direção a um suporte teórico fenomenológico. Em 1963, Pedrosa faz uma leitura do processo da obra de Lygia Clark que impressiona pela simplicidade e lucidez com as quais acompanha as mudanças do quadro de "cavalete" para as obras relacionais, onde afirma que teria a artista alcançado uma "dimensão primordial", capaz de unir ser e consciência. A década de 1960 assinala para Mário a evidência da condenação do moderno sob forma de pós-moderno (que identifica com uma certa banalização da arte iniciada pela pop norte-americana). De fato, suas dúvidas aparecem no final dos anos 50, quando já se percebiam sinais de transformação de Brasília -a utopia brasileira- numa espécie de bunker. No plano internacional, Mário acompanhava a tendência da arte à escatologia (lembro-me de sua perplexidade com algumas performances nas quais os artistas se mutilavam ) ou para a convergência da arte com o mercado, o que transformava a transgressão em espetáculo. Impressiona pensar como, após uma vida de lutas, Mário Pedrosa foi capaz de rearticular seu projeto, ao buscar repotencializar o moderno por meio de novas alianças com as culturas marginalizadas e com as forças sociais emergentes. Evidentemente, ainda se faz presente sua identificação com a utopia, mas há uma inegável tentativa de realizar um projeto político com bases concretas. Seria viável? Para Mário, se o moderno havia se condenado, isso não significava deixar de perseguir uma solução diferente da proposição dominante, comprometida com a inviabilidade da arte e com a impossibilidade de transformação social. Carlos Zilio é artista plástico. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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