São Paulo, sábado, 12 de setembro de 1998 |
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RICARDO MUSSE
No segundo bloco -um estudo da "intelligentsia" radical na Alemanha e na Hungria nas duas primeiras décadas desse século-, a sociologia cede lugar à história das idéias. Acompanham-se aí, em breves exposições, as críticas ao capitalismo (em geral, apenas culturais) dos membros dos círculos pelos quais passou Lukács (uma lista que quase se confunde com a enumeração dos intelectuais burgueses mais importantes da época): Ferdinand Tönnies, Theodor Storm, Max Weber, Georg Simmel, Paul Ernst, Robert Michels, Ernst Toller, Ernst Bloch (na Alemanha), Esdre Ady, Ervin Szabo e Karl Mannheim (na Hungria). Aqui já se manifesta a preocupação de Löwy com a recorrência romântica, tema que se tornará uma das preocupações centrais da sua obra subsequente (veja, por exemplo, "Revolta e Melancolia - O Romantismo na Contramão da Modernidade", Vozes, 1995). Por romantismo, ele entende não a escola literária do século 19, mas "o grande movimento de protesto contra a civilização capitalista/industrial moderna", geralmente feito em nome de valores do passado, numa linhagem que se estende de Jean-Jacques Rousseau ao surrealismo, denunciando as "desolações da modernidade burguesa: desencantamento do mundo, mecanização, reificação, quantificação, dissolução da comunidade humana". Em "A Evolução Política de Lukács", Löwy ainda tomava a trajetória do pensador húngaro e, de certo modo, do próprio Marx como uma passagem do anticapitalismo romântico para a tradição oposta, iluminista e democrática. Posteriormente tendeu a relativizar cada vez mais (e até mesmo a inverter) esse juízo, como deixa claro em "Romantismo e Messianismo" (Perspetiva/Edusp, 1990). Ao renomear seu livro privilegiando a descrição do itinerário de Lukács, Michael Löwy não deixa de fazer justiça à superioridade do terceiro bloco, já reconhecida aliás pela recepção internacional do livro. Trata-se de uma apresentação, bem amarrada e executada, da obra de Lukács desde "A História da Evolução do Drama Moderno" (1909) até as "Teses de Blum" (1928), passando pelos consagrados "A Alma e as Formas" (1910), "A Teoria do Romance" (1916) e "História e Consciência de Classe" (1923). Nessa parte, o modelo já não é mais a sociologia do conhecimento, nem a história das idéias, mas a tradicional exposição da trajetória intelectual de um pensador importante. O mérito do livro, aqui, reside na riqueza de informações, no domínio e no manejo de conhecimentos de diversas áreas e também na clareza, isto é, na facilidade de Löwy em destacar e explicar o que há de mais importante e decisivo em obras geralmente pouco acessíveis (para não dizer quase herméticas) ao leitor não especializado. Trata-se, em suma, de uma aplicação bem realizada dos valores próprios da visão educacional do iluminismo. Para o leitor que busque mais que uma exposição sintética da obra do pensador húngaro, o livro, apesar de instigante, não deixa de ser decepcionante. A trajetória de Lukács é reconstituída, em grande medida, tomando por base o caminho traçado por ele próprio em uma série de esboços autobiográficos, recapitulações, revisões da sua evolução, "autocríticas", depoimentos e entrevistas. O problemático aqui não é só a ingenuidade de Löwy em se fiar numa reconstrução geralmente orientada por objetivos políticos imediatos (e feita, em larga medida, sob a pressão do stalinismo), mas principalmente a recusa do preceito materialista de que cabe antes investigar a motivação histórica do agente do que tentar compreendê-lo pela justificativa da ação (em geral, fruto de uma "ilusão"). A desconsideração pela história econômica do capitalismo e também, de certo modo, pela história das lutas de classes (num período em que o embate entre burguesia e proletariado ainda ditava os rumos da humanidade), conduziu Löwy ao paradoxo de tentar explicar a evolução política de um ativista e intelectual marxista exclusivamente pelos seus textos. Isso, além de configurar uma rendição metodológica ao idealismo (em grande medida, matriz de histórias das idéias convencionais), significa uma recaída na suposição metafísica (rejeitada por Marx, Nietzsche e Freud) que a ação e a orientação de Lukács esteve impulsionada apenas por adesões intelectuais. Essa deficiência do método de Löwy fica patente, por exemplo, na sua análise política de "História e Consciência de Classe". A tese de que se trata de um livro "leninista" ignora tanto os artigos que reivindicam explicitamente o legado de Rosa Luxemburg quanto o teor das críticas a Bernstein e a Kautsky (mas também a Engels), manifestações inequívocas de que nesse momento Lukács preferia pensar por conta própria. Mas nem sempre Löwy se equivoca. Sua análise da trajetória de Lukács após 1929 (eis aí outra deficiência do título atual), ao deixar de lado a análise pormenorizada de textos e concentrar-se nas linhas mestras do debate político é, no mínimo, brilhante. Ricardo Musse é professor de filosofia na Unesp. Texto Anterior | Índice |
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