São Paulo, sábado, 12 de outubro de 2002

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Escola nova

Crônicas de Educação
Cecília Meireles
Seleção e organização: Leodegário A. de Azevedo Filho
Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional
(Tel. 0/xx/21/2537-8770)
252 págs. (vol.1), 277 págs. (vol.2), 262 págs. (vol.3), 322 págs. (vol.4), 371 págs. (vol.5)
R$ 39,00 cada volume

AFRÂNIO MENDES CATANI

A Nova Fronteira e a família de Cecília Meireles (1901-1964) empenharam-se em um grande projeto: resgatar, integralmente, a obra em prosa da escritora, confiando tal empreitada ao professor Leodegário A. de Azevedo Filho, autor de "Poesia e Estilo em Cecília Meireles". Trata-se de tarefa hercúlea, abrangendo crônicas em geral; crônicas de viagem; tipos humanos e personalidades; educação; entrevistas, conferências e ensaios gerais; e "vária", totalizando 22 volumes.
Os cinco volumes dedicados às "Crônicas de Educação" abarcam dois períodos distintos na vida profissional de Cecília Meireles, compreendendo as décadas de 30 e 40. Em 12 de junho de 1930, é lançado no Rio de Janeiro o "Diário de Notícias" que, segundo afirma o historiador Nélson Werneck Sodré, em "História da Imprensa no Brasil", veio fortalecer o grupo de publicações simpático à Aliança Liberal de Getúlio Vargas, composto pelo "Correio da Manhã", os "Diários Associados" e pequenas publicações como "O Combate" e "A Batalha".
Inicia-se aí seu primeiro período. Cecília, aos 29 anos, era então apenas uma talentosa professora, autora de um livro didático e quatro livros de poemas em pequenas edições, quando foi convidada para dirigir a página de educação, seção cotidiana do "Diário de Notícias". Havia também defendido a tese "O Espírito Vitorioso", sobre a "escola nova", apresentada em seu malogrado concurso para a cadeira de Português e Literatura da Escola Normal do Rio de Janeiro (foi preterida por banca examinadora presidida por Tristão de Ataíde).
Em "A Farpa na Lira: Cecília Meireles e a Revolução de 30" (Record, 1996), Valéria Lamego destaca que o "Diário" era o único órgão de imprensa que apresentava página totalmente dedicada à educação, contendo entrevistas, noticiário, artigos e uma coluna intitulada "Comentário", na qual Cecília publicou mais de 800 colaborações.
O que aparece nos cinco volumes é uma seleção que recupera as linhas mestras do pensamento da autora, eliminando crônicas reiterativas e agrupando-as em 14 núcleos temáticos, organizados sem levar em conta a cronologia. Como Cecília escreveu seus "Comentários" de 12/6/1930 a 12/01/1933, esta opção revelou-se a mais adequada, embora exponha com maior clareza, ao mesmo tempo, o frescor e as debilidades de seu pensamento.
São vigorosos e atuais os escritos voltados aos seguintes temas: educação, revolução, reformas de ensino; educação, política e religião; nova educação, "escola nova", ensino público; educação, jornalismo, responsabilidade e censura de imprensa, bem como aqueles dedicados aos veículos de cultura e educação (poesia, cinema, teatro, música, exposições, métodos auxiliares e o lúdico). Envelheceram, em parte, os artigos a respeito da família, infância e educação, e os que relacionam adolescência, juventude e educação. São decepcionantes muitos daqueles classificados sob as rubricas: conceitos gerais de vida, educação, liberdade, beleza, cooperação e universalismo; problemas gerais do magistério, métodos e técnicas de investigação pedagógica.
O jornalismo praticado por Cecília no "Diário de Notícias" foi o mais político de toda a sua trajetória na imprensa. Com sua "Página de Educação", Cecília tornou-se a grande porta-voz da "escola nova", movimento educacional que tinha como premissa o caráter transformador do papel da família, da igreja e do Estado na educação dos jovens. Defendendo uma escola igualitária e procurando preservar os direitos e liberdades individuais, esse movimento foi difundido no Brasil, entre outros, por Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira.
Cecília apoiou integralmente, no início, a Revolução de 30, esperando que Vargas implementasse essa nova concepção educacional. Meses depois iniciaram-se suas decepções, com a nomeação de Francisco Campos para o recém-criado Ministério da Educação e Saúde, a implementação de procedimentos escolares retrógrados, culminando com a edição do decreto do ensino religioso (1931), que previa a religião como disciplina facultativa nos estabelecimentos de ensino.
Juntamente com outras duas dezenas de educadores assina, em 1932, o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", amplamente divulgado em sua coluna, e que abordava temas como o movimento de renovação, as sucessivas reformas, a laicidade do ensino, a Universidade, o Estado e sua responsabilidade com as futuras gerações e, principalmente, a Democracia -nas palavras de Fernando de Azevedo, "um programa de longos deveres". Desiludida, Cecília cessa sua colaboração no "Diário" em janeiro de 1933.
Seu segundo período na imprensa deu-se no jornal carioca "A Manhã" (1941-1943), na seção "Professores e Estudantes". Em 1940, casa-se com Heitor Grillo, observando-se, também, a mudança em suas posições políticas diante do governo Vargas. Torna-se editora da revista "Travel in Brazil", publicação do famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A revista, publicada somente em inglês, era chamada por Mário de Andrade, colaborador frequente, de "a Dip-revista". Sua primeira colaboração em "A Manhã" ocorreu em 09/08/1941.
Leodegário Azevedo escreve na apresentação do primeiro volume que "os temas, em sua imensa variedade, são os do momento e os de sempre", listando vários deles: conceitos de vida, liberdade, cooperação e educação; história da educação no Brasil; a educação urbana e a rural; crítica ao ensino memorizado e não reflexivo; educação e unificação dos países americanos; cinema, teatro e educação; amor à natureza; laicidade e nacionalização do ensino fundamental.
A trajetória de Cecília Meireles como jornalista educacional, durante cinco anos, no "Diário de Notícias" e em "A Manhã", caracterizou-se como um percurso marcado pela desilusão. Ao fim da primeira fase observa-se seu total desencanto com a Revolução de 30, em que tanto acreditou; na segunda, mais acomodada, esforça-se para evitar polêmicas. Seus escritos, agora recuperados, surgem como um cadáver insepulto: muito dos aspectos abordados, em especial sobre política educacional, ainda aguardam, 60 anos depois, soluções.


Afrânio Mendes Catani é professor na Faculdade de Educação da USP.


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