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Velha revolucionária
A teoria quântica em sua vertente brasileira
Cem Anos de Física Quântica
Mahir S. Hussein e Silvio R.A. Salinas (orgs.)
Ed. Livraria da Física
(Tel. 0/xx/11/ 3816-7599)
220 págs., R$ 25,00
Unificando as Forças
da Natureza
José Leite Lopes
Entrevistado por Jesus de Paula Assis
Ed. Unesp (Tel. 0/xx/11/3242-7171)
116 págs., R$ 12,00
MICHEL PATY
As revoluções têm vida longa, sobretudo nas ciências, em que a história jamais
volta atrás, mesmo em aparência. A "revolução quântica" é centenária, como diz
o título do livro organizado por Mahir
Hussein e Silvio Salinas. Esta obra coletiva reúne os estudos apresentados em um
simpósio realizado em São Paulo, no ano
2000, para comemorar o centenário da
célebre palestra de Max Planck na Academia de Ciências de Berlim, em dezembro
de 1900.
Comemorações desse gênero foram
realizadas por todo o mundo, propiciando a ocasião para se fazer um balanço diversificado sobre os cem anos da "revolução quântica". Ao mesmo tempo, essas
celebrações são um pouco a medida, para
a comunidade científica e para o público
culto, da vitalidade da física quântica nos
diferentes lugares do mundo que dela se
apropriaram e a desenvolveram (e o Brasil figura aí em uma posição muito boa).
Será digna de interesse uma comparação entre as diferentes obras que, sobre o
mesmo motivo, aparecem em todos os
cantos do mundo. Cada país, cada comunidade científica, sem dúvida se reconhece, nessa sinfonia universal, por pequenos detalhes, seja de referência, seja de interpretação, por "perfumes" particulares,
que se associam às tradições que desenvolveram. Este livro testemunha a presença de uma tradição brasileira da física
contemporânea, ou mesmo paulista, do
Instituto de Física da USP.
A esse respeito, é significativo que a publicação do livro "Cem Anos de Física
Quântica", que contém muitas informações sobre o estado da física, tenha sido
concomitante com a de "Unificando as
Forças da Natureza", um pequeno opúsculo de concepção totalmente diferente,
pois trata-se de uma conversação livre
com José Leite Lopes, um dos pioneiros
da física teórica no Brasil.
José Leite Lopes doutorou-se em Princeton sob a orientação de Wolfgang Pauli, um dos grandes fundadores da mecânica quântica, e prestou importantes
contribuições à física das partículas elementares e à teoria quântica dos campos,
especialmente no domínio das simetrias
e da unificação das interações fundamentais. Uma de suas idéias mais criativas foi
propor, em 1958 (ou seja, dez anos antes
da publicação da teoria de gauge eletrofraca, que valeu o prêmio Nobel a Glashow, Salam e Weinberg), a existência e as
características de uma partícula neutra
responsável pelas interações nucleares
fracas. Sobre esse assunto, podemos ler as
saborosas reflexões que tal episódio lhe
inspirou.
Físico de projeção internacional, José
Leite Lopes é também uma importante figura da ciência brasileira, por seu trabalho voltado ao ensino, por sua obra de
fundador no plano institucional e por seu
compromisso pessoal sem concessões
com uma política de desenvolvimento
científico e social. Esse engajamento ardente (pontuado por livros que têm marcado sua época) lhe valeu o ostracismo da
ditadura militar: no exílio, ele deixou
uma marca inesquecível na França, na
Universidade de Orsay e sobretudo em
Estrasburgo, em que foi acolhido de braços abertos pela Universidade Louis Pasteur e pelo Centro de Pesquisas Nucleares.
Alegra-nos ler suas observações fluentes, bem ao estilo da personalidade de seu
autor, que tão fortemente marcou gerações de pesquisadores e professores de física no Brasil e em diversas partes do
mundo (dos "três mundos"). Aguardamos com impaciência o testemunho de
outros intelectuais de mesma verve, nos
próximos volumes da coleção "Perfis
Brasileiros".
Em suas lembranças, José Leite Lopes
omitiu um aspecto de suas atividades que
é pouco conhecido: seu interesse pela história e filosofia da ciência. Ele contribuiu
para a obra preparada com nosso saudoso amigo comum Bruno Escoubès,
"Sources et Évolution de la Physique
Quantique" (Masson, 1994), e também
estimulou encontros e seminários sobre
os fundamentos da ciência, além de ter
participado da revista "Fundamenta
Scientiae", editada durante dez anos.
Sem falar do memorável colóquio sobre
"Meio Século de Mecânica Quântica"
(Estrasburgo, 1974), que deu origem ao
livro "Quantum Mechanics - A Half Century Later" (Reidel, 1977), organizado
por José Leite Lopes e Michel Paty.
A mecânica quântica
O que é fascinante na física quântica é
que ela sempre conservou seu quadro
teórico fundamental, a "mecânica quântica", formulada por volta de 1926, a partir do qual se desenvolveram teorias dinâmicas extremamente poderosas que
asseguraram a penetração em diferentes
domínios de organização da matéria
-da física atômica e subatômica até a astrofísica e a cosmologia.
Ao lermos as diversas contribuições de
"Cem Anos de Física Quântica" é possível
constatar que a física quântica, teórica e
experimental, não constitui apenas uma
poderosa ferramenta de descrição: é um
meio de pensar, de conceber, tanto os fenômenos quanto os "sistemas físicos"
que são a sua causa.
O aspecto histórico do período inicial
nos é apresentado por Henrique Fleming, que mostra a que ponto o primeiro
inventor, Max Planck, estava longe de
suspeitar da natureza da revolução que
desencadeou, contra a sua vontade.
Uma revolução fecunda, como revelam
alguns exemplos de suas implicações
mais recentes: "Estrutura de Átomos,
Moléculas e Biomoléculas", de Sylvio Canuto; "As Estrelas e a Mecânica Quântica", de Mahir S. Hussein; "O Universo e a
Mecânica Quântica", de Elcio Abdalla;
"Caos Quântico e Hamiltonianas Aleatórias", de M.P. Pato; e "Do Átomo de Thomas-Fermi à Dinâmica Molecular Quântica", de Adalberto Fazzio. Tais assuntos
ilustram como a física quântica se tornou
o meio intelectual e material para investigar a matéria em suas várias dimensões.
Os outros temas abordados neste livro
dizem respeito a aspectos também recentes da física quântica, mas ligados de maneira mais direta (mais elementar, no
sentido de simples) a questões de compreensão fundamental. Aliás, seus desenvolvimentos prendem-se aos problemas
de interpretação calorosamente discutidos por Bohr, Einstein, Schrödinger e outros, pois foram essas discussões que tornaram possível e efetivo que eles levassem em consideração um ponto de vista
físico e mesmo experimental.
A não-separabilidade de sistemas
quânticos que estiveram em interação,
esta propriedade de "emaranhamento",
responsável também pelo paradoxo do
gato de Schrödinger, levou ao teorema
das desigualdades de Bell e à "descoerência" de experiências atuais, que ilustram
os fundamentos básicos. Esses são tópicos detalhadamente examinados nos capítulos "Schrödinger, Emaranhamento e
Decoerência", de A.F.R. de Toledo Piza;
"Desigualdades de Bell", de João C.A. Barata; e "Mecânica Quântica em Ação", de
Paulo A. Nussenzveig.
Cem anos após os primeiros passos, parece-me que a mais clara lição é que a física quântica nos obrigou a pensar quanticamente -isto é, segundo conceitos propriamente quânticos, que não se reduzem aos clássicos- o mundo de fenômenos e de sistemas físicos reais. A "física
quântica em ação" passa então a assumir
o papel de uma "epistemologia prática",
que torna real o conhecimento da natureza, instruindo-nos sobre o que estes dois
não são (embora pouco antes tivéssemos
desejado que fossem), mas também o
que são, a saber, conhecimento e natureza.
Michel Paty é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (França) e da
Universidade Paris 7 e autor de "A Matéria Roubada" (Edusp).
Tradução de Caetano Ernesto Plastino.
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