São Paulo, quinta, 13 de agosto de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A literatura mercantilista portuguesa
ANTONIO PENALVES ROCHA
Os capítulos 5 e 6 avaliam aspectos de uma nova fase do pensamento econômico português, marcada por manifestações de recusa do papel tutelar do Estado mercantilista. No estudo sobre as viagens e o mapeamento de Portugal e colônias, feitos para a obtenção de dados sobre o sistema produtivo e recursos naturais, o autor mostra que a vistoria dos peritos atendia a um dos imperativos da economia de mercado: a "tomada de consciência sobre a territorialidade da relações mercantis". No texto seguinte, encontra-se uma análise das oscilações da obra de J. J. Rodrigues de Brito entre o sistemas fisiocrático e o de Adam Smith e as relações que manteve com o modelo político do despotismo esclarecido. A seguir, Cardoso revela um aparente paradoxo dos deputados das Cortes Constituintes de 1821 e 1822: ao mesmo tempo que recorreram à economia política de princípios do século 19 para projetar e legitimar mudanças econômicas e sociais, promulgaram, no fim das contas, uma legislação protecionista. Estudando os termos dessa oposição, o autor demonstra que os princípios da economia política liberal eram inaplicáveis a Portugal e os deputados apenas os subordinaram às circunstâncias históricas. Os capítulos seguintes analisam a adaptação dos cânones da economia política à realidade nacional portuguesa. Solano Constâncio foi uma figura extraordinária do pensamento econômico português; não só fez a primeira tradução para o francês de Malthus, Ricardo e Godwin, como também escreveu sobre temas econômicos. Cardoso inventaria os pontos de convergência e divergência entre o pensamento de Constâncio e as leis que se pretendiam universais da economia clássica. Mas não é este o único autor português do século 19 que deu relatividade à economia política: de outro modo, Oliveira Martins fez o mesmo, conforme mostra o livro ao tratar de textos poucos examinados de sua autoria. Esse perfil do livro parece ser suficiente para que se tenha uma idéia da diversidade dos objetos e dos métodos a eles aplicados por José Luís Cardoso. Tal diversidade, contudo, foi um procedimento conscientemente adotado com o objetivo de operar com a "interdisciplinaridade das ciências sociais e humanas". E ela não representa ameaça alguma à unidade do livro, alinhavada por determinados pressupostos teóricos que conduziram à investigação dos diferentes objetos: para o autor a história do pensamento econômico é considerada como uma disciplina de fronteira, empenhada na "1) verificação e reconstituição da evolução interna da ciência econômica e seus conceitos definidores; 2) compreensão dos sentidos da ação daqueles que mais decisivamente contribuíram para o avanço do conhecimento da realidade econômica, tendo em atenção as envolventes e condicionantes de natureza institucional, social e cultural; 3) contextualização histórica das vidas, discursos e percursos de autores do passado, que assim adquiram também o estatuto de testemunha de uma época que se transforma em objeto de investigação". Por isso mesmo, o capítulo final desempenha um papel central dentro desse conjunto ao enfrentar a questão de por que de fazer uma história do pensamento econômico em nações que ocupam uma posição periférica em relação aos grandes centros de produção da teoria econômica. Enfim, considerando a atualização da bibliografia, a riqueza das fontes históricas utilizadas e o rigor empregado na análise, "Pensar a Economia em Portugal" presta serviço relevante para consolidar a história do pensamento econômico como um ramo historiográfico em Portugal. Para nós, brasileiros, o livro também assume importância, pois, ao lidar com objetos que fazem parte de um patrimônio histórico que compartilharmos com os portugueses, fornece elementos para compreensão de aspectos do presente. A propósito, o ponto de partida dessa compreensão antecede a leitura do livro, muito embora dependa da sua existência, e está numa única e simples pergunta: por que não há uma história do pensamento brasileiro? Antonio Penalves Rocha é professor do departamento de história da USP. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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