São Paulo, quinta, 13 de agosto de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Os olhos da ontologia
JORGE DE ALMEIDA
Coerente com sua qualidade de amador, Rohmer destaca a importância que o ouvinte dá ao tema, em oposição aos interesses profissionais do musicólogo, que "parece inspirar-se mais no desenvolvimento do que no próprio tema, pois do primeiro é possível dizer muita coisa, ao passo que o segundo se furta à análise". E nesse aspecto Beethoven sem dúvida é superado por Mozart, já que seus desenvolvimentos exigiriam, no entender de Rohmer, "uma pesquisa que parece demandar o concurso inevitável do computador e da ciência estatística". O fato de que nesse momento o romantismo se aproxime do "belo edifício matemático do "Cravo Bem Temperado e da Arte da Fuga'±" não é problematizado, já que, ao olhar inocente do autor, "a história da música se deixa tranquilamente dividir em três períodos, e somente três: a modal, a polifônica e a harmônica, todas as demais divisões não sendo, no meu entender, fundamentais". Tratando-se de uma abordagem ontológica da arte musical, a relação entre música e filosofia é um tema presente em todo o livro, mas não é desenvolvido na discussão das obras. A conquista da "profundidade" em Mozart e Beethoven seria análoga à revolução copernicana de Kant. O "tempo mecânico" da música barroca, segundo Rohmer, ganha vida ao intuir seu aspecto trágico: a música deixa de ser metafísica para se tornar ontologia. Rohmer se utiliza da história da filosofia com a mesma "profundidade" com que os personagens de seu filme "Conto da Primavera" discutem em um jantar o conceito de juízo sintético a priori, o que coloca mesmo em dúvida a intenção irônica da cena. Em meio a tanta teoria, Rohmer consegue em alguns momentos se ater à proposta inicial do livro, narrando as experiências de uma audição que resiste a um mundo poluído musicalmente: "Mas que suplício pode ser maior do que o de se sentir perseguido, caçado, numa estação, hotel ou grande loja, pela música, até mesmo a mais bela -principalmente a mais bela- saída de alto-falantes tão diabolicamente instalados que o som, onde quer que se esteja, nos alveja com a mesma intensidade?". Quando o pendor para a teoria não atrapalha, vislumbramos o ouvinte sensível e educado narrando a experiência da audição atenta de obras como os quintetos de Mozart e os quartetos de Beethoven, um ouvinte que acredita ser preciso "falar, e gostar de falar de música". Mas o entulho filosofante acaba impedindo que essa fala se transforme em uma conversa efetiva com o leitor. O discurso do diletante teórico é tão solipsista quanto a música que ele, por razões ontológicas, critica. Jorge Mattos Brito de Almeida é doutorando no departamento de filosofia da USP. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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