São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001 |
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BOLA NO CHÃO O Gol é Necessário Paulo Mendes Campos Organização: Flávio Pinheiro Civilização Brasileira (Tel. 0/xx/21/2585-2000) 94 págs., R$ 15,00
Esta seleção de crônicas esportivas do poeta mineiro (e morador de Ipanema) resgata uma época romântica do futebol. Lirismo, humor e erudição despretensiosa são alguns dos ingredientes utilizados
para cativar o leitor -e este de fato não consegue
conter o riso diante de uma hipotética partida hiper-aliterada na língua do "p", em "Pelé passa para Pepe", ou ante a situação vivida pelo cronista botafoguense num hotel escandinavo, em "Salvo pelo Flamengo". A paixão pela bola é representada, acima de
tudo, pela figura emblemática de Garrincha, desafiando a lógica de técnicos e comentaristas. Reeditar
as crônicas de Paulo Mendes Campos é uma ótima
iniciativa -escritas para consumo imediato, elas insistem em driblar o tempo.
Inicialmente, um esporte de elite, jogado nos
"clubs" pela sociedade mais abastada, o futebol
iria se popularizar com o passar dos anos. Numa
ampla e fundamentada pesquisa histórica, o autor
discute o processo de formação e afirmação da
identidade nacional a partir do futebol, desde o
período amador -quando era proibida a participação de negros e trabalhadores nos primeiros
campeonatos- até a implementação do profissionalismo, que iria "democratizar" a prática do
esporte, legitimando a participação das classes
menos favorecidas. As diversas polêmicas suscitadas nos jornais cariocas da época retratam também algumas ambiguidades, como o caráter às
vezes efêmero do sentimento patriota diante das
disputas regionais entre cariocas e paulistas ou,
posteriormente, o surgimento de um discurso
ufanista derivado do sucesso de uma seleção composta de negros e mestiços (caso de Domingos e
Leônidas, titulares na copa de 1938), mascarando
conflitos sociais que estiveram sempre presentes
no processo de consolidação do futebol como paixão nacional.
É sempre bom (re)encontrar alguns personagens
das crônicas de Nelson Rodrigues, como o Sobrenatural de Almeida, a viúva gorda e patusca ou a grã-fina com narinas de cadáver (aquela que pergunta:
"quem é a bola?"). Partindo de um diálogo entre o
futebol e a cultura brasileira, e passando por uma
contextualização do desenvolvimento da imprensa
esportiva no país, José Carlos Marques analisa os
textos de Nelson sob a perspectiva de uma estética
neobarroca, seus elementos dramáticos e suas adjetivações hiperbólicas. Ao dissecar os mecanismos da
escrita rodriguiana, demonstra que vários recursos
estilísticos do autor -como citações e reminiscências (no âmbito da intertextualidade), aliterações e
anagramas (exemplos de intratextualidade)- podem ser considerados componentes básicos, na definição de Severo Sarduy, de uma "semiologia do barroco latino-americano". Depois de uma conversa
imaginária na arquibancada com o próprio Nelson,
o autor conclui que suas crônicas transcendem o jornalismo esportivo e pertencem à melhor estirpe literária.
Este pequeno livro costura com simplicidade e clareza a história do futebol -do aprimoramento das
regras às evoluções táticas- e o seu desenvolvimento como fenômeno cultural e social capaz de mobilizar toda a nação. O autor observa como a maneira
local de interpretar as regras (o "tranco" como recurso para roubar a bola, no Brasil visto como falta
pelos "sportmen" no início do século passado), aliada a outros elementos culturais provenientes de danças e ritmos populares, ajudaram a forjar o estilo
brasileiro de jogar, fundamentado na malícia e na
técnica individual. A matemática dos sistemas táticos também é traduzida com objetividade e discutida como fator de popularização do esporte. Uma
análise dos fatores extra-campo -atuação de dirigentes, imprensa e torcida- acaba por traçar um
painel bem completo e atual da complexidade de relações desenvolvidas em nossa sociedade a partir do
futebol. |
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