Ribeirão Preto, Domingo, 1 de novembro de 1998

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HISTÓRIA
Fotografias e cartas guardadas há meio século revelam relações estreitas entre ditador italiano e integralistas
Documentos ligam região a Mussolini

CRISTIANE BARÃO
enviada especial a Taquaritinga

Documentos guardados há pelo menos meio século revelam estreitas relações entre líderes fascistas da região, o ditador italiano Benito Mussolini e a existência de um centro integralista que engrossou o movimento pela queda do presidente Getúlio Vargas, em 1938, no Rio de Janeiro.
Fotos, cartas e um lenço de seda pura autografado por Mussolini escaparam da fogueira depois de terem sido guardados no meio de material de estudos do subtenente médico das tropas italianas na 1ª Guerra Mundial, Ernesto Pagliuso.
Ele nasceu em Taquaritinga, foi para a Itália estudar Medicina e acabou fazendo parte das tropas italianas na 1ª Guerra Mundial.
Depois de pertencer ao 10º Regimento de "Besagliare", tropa de elite do exército italiano, o mesmo servido pelo ditador italiano, Pagliuso voltou a Taquaritinga em 1926 como secretário do fascismo.
O sistema político fascista foi criado por Mussolini na década de 10 com inclinação direitista.
"Meu pai admirava Mussolini por ter feito o território italiano se expandir, mas, quando a Itália entrou na 2ª Guerra, ele chorou. Previa que o país seria derrotado", conta o médico cardiologista Vitório Pagliuso, filho de Ernesto.
De acordo com o historiador Arnaldo Ruy Pastore, por ser um dos principais alvos da migração italiana, Taquaritinga tornou-se um centro fascista na região.
"Quando a Itália conquistou a Etiópia, em 35, Ernesto fez uma festa. O convite tinha as cores do país, enfeitado com um pedaço de queijo e um macarrão", conta Pastore, que era paciente de Ernesto.
No mesmo ano, o comandante das Forças Armadas de Mussolini, Pietro Badoglio, esteve no Brasil para apenas duas visitas -uma em Ribeirão Preto e outra à casa de Ernesto. Como presente, Badoglio entregou um lenço de seda pura, autografado e enviado por Mussolini, com o discurso do ditador italiano sobre a conquista da Etiópia.
"O lenço foi um dos documentos que restou. Quando a Itália entrou na guerra contra o bloco do Brasil, meu pai viajou à noite até Ribeirão para levar todo o material", disse o médico cardiologista.
De acordo com o historiador, os líderes fascistas da cidade migraram para criar o movimento em distritos, mais tarde transformados em municípios.
No entanto, a censura imposta pela guerra acabou abafando o movimento fascista. Mesmo assim, em 32, a região já assistia ao nascimento do movimento integralista, que, segundo eles, apresentavam traços do fascismo e combatiam o liberalismo e o capitalismo.
Em Taquaritinga, o núcleo integralista era formado por cerca de 200 pessoas e tornou-se referência para o movimento pela ligação com Plínio Salgado, o chefe dos integralistas, que casou-se com a taquaritinguense Carmela Patti.
"Eles faziam passeatas e reuniões toda semana", diz Nair Abbud, que guarda a farda utilizada pelo marido integralista Antonio Abbud e fotos do movimento.
Abbud chegou a ser preso durante 15 dias, acusado de participar do movimento que pretendia depor o presidente Getúlio Vargas, em 1938. Mesmo apoiado pelos integralistas, Vargas dissolveu o movimento em 37. O golpe fracassou e os integralistas começaram a ser presos e perseguidos.
Em Ribeirão Preto, que reunia cerca de 2.500 militantes, os integralistas realizaram a primeira conferência da região e se encarregaram de fundar os núcleos locais.
Os "camisas-verdes", como eram conhecidos, também usavam calças e gravatas pretas e um apito. Na camisa, era usado o símbolo chamado de Sigma, semelhante à letra "E" ao contrário.
Em Araraquara (85 km de Ribeirão), dois líderes integralistas ainda defendem os princípios de Plínio Salgado: "Deus, Pátria e Família". Eles reúnem livros e artigos sobre o movimento nacionalista.
"Não voto há 25 anos, desde que ele (Salgado) morreu. Esses liberalóides acabaram com o país", disse Paulo Nogueira de Arruda, que entrou no movimento com 14 anos e sua mãe queimou sua farda com medo que ele fosse preso.



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