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Estilo "joyceano" tem quase cem anos
DA REDAÇÃO, EM RIBEIRÃO
O uso de trechos sem pontuação em textos de prosa tem origens no movimento futurista do
início deste século.
Já em 1909, o famoso "Manifesto Futurista", de Filippo Tommaso Marinetti, trazia elementos de
ruptura com a ordenação gramatical dos sinais. "Antes, tivemos
algumas experiências na poesia,
com Stéphane Mallarmé, por
exemplo, ainda no século 19", disse o professor de literatura da
Unesp (Universidade Estadual
Paulista) -campus de Bauru-
Marcelo Bulhões.
Segundo ele, só mesmo com os
futuristas é que a técnica ganha
vulto na prosa.
O recurso ficou mundialmente
conhecido com a publicação, em
1922, da obra "Ulisses", do escritor irlandês James Joyce. Nele, ficou famoso o monólogo final, em
que o personagem Molly Moon
desfia seus pensamentos em dezenas e dezenas de páginas com
inúmeros palavrões e sem o uso
de pontuação.
"Mas o que faço de novidade em
relação a Joyce, por exemplo, é a
utilidade do recurso. Não usar
pontuação, no caso, tem uma funcionalidade, pois o Firmino perdeu a razão e, assim, seu discurso
perde a pontuação", afirmou Menalton Braff.
Bulhões ressaltou que não poderia falar especificamente sobre
"Que Enchente Me Carrega?", já
que ele não havia lido ainda a
obra. Mas ele lembrou que, em
"Ulisses", a ruptura de pontuação
também tem um objetivo. "O monólogo final (da obra de Joyce) reflete um delírio psicótico do personagem", diz.
Braff afirmou que a técnica também foi usada pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez -ganhador do Prêmio Nobel de literatura em 1982, com
"Cem Anos de Solidão". Segundo
ele, deve ter sido em "Relato de
um Náufrago".
O colombiano, um dos mais renomados escritores da América
Latina na atualidade, usa a narrativa com certa intensidade também em "O Outono do Patriarca".
Em "Relato de um Náufrago",
García Márquez se aproveita de
sua experiência como jornalista
para entrevistar um marinheiro
sobrevivente de um naufrágio de
meados de 1970. O texto é a transcriação do discurso do entrevistado.
No Brasil, de acordo com Bulhões, quem utilizou o recurso foi
o modernista Oswald de Andrade
(1890-1954), principalmente com
"Memórias Sentimentais de João
Miramar" (obra de 1924) e "Serafim Ponte Grande" (1933).
Oswald foi o escritor brasileiro
que, nos anos 20, lançou o "Manifesto Antropófago", propondo
que o país devorasse a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária e própria. Ele foi
também um dos elos dos brasileiros com os futuristas da Europa
da época.
De acordo com Bulhões, outro
nome da literatura brasileira a utilizar a técnica narrativa foi Clarice
Lispector (1920-77), principalmente em "Água Viva".
A escritora brasileira, de origem
ucraniana, é uma das fontes inspiradoras preferidas de Braff.
Sétima arte
Há um paralelo quase inevitável
entre o uso de trechos longos sem
pontuação na literatura e os chamados planos-sequência do cinema, sobretudo entre os anos de
1950 e 70. Alguns diretores, como
o italiano Michelangelo Antonioni e Alfred Hitchcock, utilizaram
a técnica, que consiste em tomadas de cenas ininterruptas.
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