Ribeirão Preto, Domingo, 05 de Novembro de 2000

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Estilo "joyceano" tem quase cem anos

DA REDAÇÃO, EM RIBEIRÃO

O uso de trechos sem pontuação em textos de prosa tem origens no movimento futurista do início deste século.
Já em 1909, o famoso "Manifesto Futurista", de Filippo Tommaso Marinetti, trazia elementos de ruptura com a ordenação gramatical dos sinais. "Antes, tivemos algumas experiências na poesia, com Stéphane Mallarmé, por exemplo, ainda no século 19", disse o professor de literatura da Unesp (Universidade Estadual Paulista) -campus de Bauru- Marcelo Bulhões.
Segundo ele, só mesmo com os futuristas é que a técnica ganha vulto na prosa.
O recurso ficou mundialmente conhecido com a publicação, em 1922, da obra "Ulisses", do escritor irlandês James Joyce. Nele, ficou famoso o monólogo final, em que o personagem Molly Moon desfia seus pensamentos em dezenas e dezenas de páginas com inúmeros palavrões e sem o uso de pontuação.
"Mas o que faço de novidade em relação a Joyce, por exemplo, é a utilidade do recurso. Não usar pontuação, no caso, tem uma funcionalidade, pois o Firmino perdeu a razão e, assim, seu discurso perde a pontuação", afirmou Menalton Braff.
Bulhões ressaltou que não poderia falar especificamente sobre "Que Enchente Me Carrega?", já que ele não havia lido ainda a obra. Mas ele lembrou que, em "Ulisses", a ruptura de pontuação também tem um objetivo. "O monólogo final (da obra de Joyce) reflete um delírio psicótico do personagem", diz.
Braff afirmou que a técnica também foi usada pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez -ganhador do Prêmio Nobel de literatura em 1982, com "Cem Anos de Solidão". Segundo ele, deve ter sido em "Relato de um Náufrago".
O colombiano, um dos mais renomados escritores da América Latina na atualidade, usa a narrativa com certa intensidade também em "O Outono do Patriarca". Em "Relato de um Náufrago", García Márquez se aproveita de sua experiência como jornalista para entrevistar um marinheiro sobrevivente de um naufrágio de meados de 1970. O texto é a transcriação do discurso do entrevistado.
No Brasil, de acordo com Bulhões, quem utilizou o recurso foi o modernista Oswald de Andrade (1890-1954), principalmente com "Memórias Sentimentais de João Miramar" (obra de 1924) e "Serafim Ponte Grande" (1933).
Oswald foi o escritor brasileiro que, nos anos 20, lançou o "Manifesto Antropófago", propondo que o país devorasse a cultura estrangeira e criasse uma cultura revolucionária e própria. Ele foi também um dos elos dos brasileiros com os futuristas da Europa da época.
De acordo com Bulhões, outro nome da literatura brasileira a utilizar a técnica narrativa foi Clarice Lispector (1920-77), principalmente em "Água Viva".
A escritora brasileira, de origem ucraniana, é uma das fontes inspiradoras preferidas de Braff.

Sétima arte
Há um paralelo quase inevitável entre o uso de trechos longos sem pontuação na literatura e os chamados planos-sequência do cinema, sobretudo entre os anos de 1950 e 70. Alguns diretores, como o italiano Michelangelo Antonioni e Alfred Hitchcock, utilizaram a técnica, que consiste em tomadas de cenas ininterruptas.


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