Ribeirão Preto, Domingo, 05 de Dezembro de 2010

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De repente milionário

Adolfo Justimiano Ferreira, 80, de Santa Rita do Passa Quatro, ganhou R$ 72,4 milhões na Mega-Sena da Virada há quase um ano; na semana passada, ele deu sua primeira entrevista

ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO

Dona Ana Ferreira, 78, começou a ouvir melhor depois que o marido lhe comprou um aparelho auditivo, de aproximadamente R$ 10 mil, no começo deste ano. Ela também ganhou um tratamento dentário completo.
Essas foram as "aquisições" que mais deixaram satisfeito Adolfo Justimiano Ferreira, 80, aposentado de Santa Rita do Passa Quatro que ganhou R$ 72,4 milhões no final de 2009, quando acertou as seis dezenas da Mega-Sena da Virada e dividiu a bolada de mais de R$ 140 milhões com outro sortudo de Brasília.
O marido de dona Ana fazia bico de jardineiro para ganhar R$ 200 ao mês e, na virada do ano, viu-se com uma fortuna capaz de render R$ 486 mil, só de juros, considerando as aplicações bancárias conservadoras.
Na última semana, quase um ano após receber a bolada, o milionário topou falar com uma equipe de reportagem. Deixou claro que seria a primeira e última vez.
Seu Adolfo recebeu a Folha em uma das casas que comprou depois de tirar a sorte grande. O aposentado que levou 16 anos para pagar uma "casa de Cohab" na periferia de Santa Rita do Passa Quatro tem agora propriedades em diferentes cidades.
Com medo "daqueles que não são amigos", o milionário vive com um forte esquema de segurança. Por isso, as condições para dar a entrevista foram: nada de máquina fotográfica, gravador ou aparelhos celulares.
A conversa teve como "testemunhas" duas filhas de Adolfo -são 11 herdeiros- e o repórter-fotográfico Silva Júnior, que deixou seu equipamento na entrada da casa, com os seguranças.
A nova vida de seu Adolfo tem lances curiosos. A dona Ana, por exemplo, mesmo com o aparelho no ouvido, ainda não entendeu direito o que aconteceu.
"Ainda não caiu a ficha da minha mulher. Ela vive perguntando de onde vamos tirar dinheiro para pagar tudo isso", diz o aposentado. O casal completou 62 anos de união em 2010.

DO CAMPO
"Antes desse negócio [de ganhar na Mega-Sena], a vida era meio sofrida. Já trabalhei com tudo, sabe? Plantei milho, arroz. Fui retireiro, acordava às três da madrugada para tirar leite e ficava na lida até as sete da noite. Só que tudo isso sempre na terra do patrão, não tinha nada meu", recorda.
Nessa lida, seu Adolfo criou os 11 filhos, que lhe deram 27 netos, que lhe deram 15 bisnetos, que lhe deram três tataranetos. "Fome a gente não passou, mas o problema era não ter dinheiro para pagar as dívidas. E eu sempre gostei de pagar as coisas direito."
Hoje, ele diz que continua "do mesmo jeito" e que não é de "esbanjar" dinheiro. Uma de suas últimas compras foi um sítio. "Lá eu tenho um trator, 26 cabeças de gado e cinco cavalos", conta.
A maior parte da propriedade, no entanto, está arrendada para a plantação de cana. Seu Adolfo mantém a casa da Cohab onde viveu 19 anos em Santa Rita. O imóvel está sendo reformado -ele pensa em alugar.

DA FÉ
Se o ditado diz que só ganha na loteria quem aposta, quem conhece seu Adolfo acrescentaria que só é sorteado quem aposta muito. Ele conta que jogava uma ou duas vezes por semana. Isso durante décadas.
O hábito rendia reclamações de dona Ana, que preferia usar o dinheiro para comprar pão. "Eu sempre tive certeza de que Deus ia me ajudar. Quando ela brigava, eu pedia calma porque um dia ia devolver todo o dinheiro."
No final de 2009, o aposentado já tinha feito dois jogos para a Mega da virada. No último dia de apostas, porém, ele acordou determinado a fazer mais um. "Alguma coisa me dizia que eu tinha de apostar outra vez."
Sem dizer nada, ele "montou" no Fusca 76, seguiu para a única lotérica de Santa Rita, foi no caixa dos idosos para fugir da fila e gastou R$ 2 na aposta vencedora.
"Mostrei a cartela para a mocinha que me atendeu e falei que ia ganhar, ela disse "que Deus o ajude" e eu fui embora." Seu Adolfo conta que voltou à lotérica para dar uma "gorjeta" de R$ 2.000 à moça.

FAMÍLIA
Outra satisfação do milionário é, segundo ele, ter a família por perto. Logo que ganhou na loteria, porém, seu Adolfo "desapareceu" -seu paradeiro era desconhecido até por alguns filhos.
Enquanto está vivo e bem lúcido, o próprio aposentado toma conta dos milhões que ganhou. Os herdeiros ele diz estar "ajudando". Deu a cada filho uma casa, um carro e repassa uma quantia mensal em dinheiro.
O boato é de que ele estabeleceu limites de R$ 300 mil para a casa, R$ 60 mil para o carro e R$ 10 mil de pensão para os filhos. Seu Adolfo, no entanto, não confirma.
Ter os parentes por perto compensa um pouco a perda de hábitos prazerosos, como sentar-se em frente da antiga casa com a mulher para ver o movimento da rua e conversar com a vizinhança.
"Disso eu sinto falta, sabe? Continuo sendo a mesma pessoa e os amigos são importantes para mim, mas tenho de ficar recolhido porque tem aqueles que não são tão amigos."


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