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Um italiano percorre a história de Ribeirão
da Folha Ribeirão
A guerra havia estourado na Itália, quando o garoto Theodoro José Papa, então com 7 anos, desembarcou no porto de Santos.
O jovem imigrante ainda lembra
da dureza dos 22 dias a bordo do
navio, sem ver a terra, e o percurso
de trem pela mata, de mais de dez
horas, rumo a uma região que surgia como promissora: Ribeirão
Preto.
O percurso é o mesmo por onde,
desde 1883, escoava a produção de
café das fazendas da região. Historiadores apontam a chegada da estrada de ferro, da antiga Mogiana,
como a principal responsável pelo
enriquecimento da região.
O caçula da família Papa estranhou o calçamento das ruas da
época (1914), a água que vinha de
canos e, principalmente, a existência da luz elétrica em toda a cidade.
Lá na Calábria (Itália), na pequena Rizziconi, havia homens que
cobravam para transportar a água
dos riachos até as casas e a iluminação ainda vinha do fogo. "A cidade era bem menor", afirma.
O irmão mais velho do menino,
Rosario Papa, não pôde embarcar
com a família porque havia sido
convocado para lutar na Primeira Guerra.
Ele acabaria
morto no ano
seguinte, atingido por uma
bomba. Ainda
hoje, a família
guarda suas
medalhas.
O pai do garoto (Theodoro Papa) veio
antes, em 1910,
para "tentar a
sorte" e acabou
empregado pelo prefeito de Ribeirão Preto na época, Macedo Bitencourt. Era engenheiro agrônomo e
durante anos cuidou do Horto Florestal da cidade e de outros projetos paisagísticos, como a reconstrução de avenidas e praças.
Na Itália, era produtor de vinho
e, segundo Papa, só decidiu vir para o Brasil depois de perder toda a
produção de um ano por causa de
um grande terremoto que abalou a
Calábria no começo deste século.
Quatro anos
depois de vir
para o Brasil,
mandou dinheiro para a
família viajar.
Seu primeiro
trabalho importante em
Ribeirão Preto
foi elaborar a
reforma pioneira da praça
15 de Novembro, nome instituído após a
Proclamação
da República e que hoje, ironicamente, fica em frente ao Theatro
Pedro 2º, fundado em 1930.
Ele também criou um arco de árvores ao longo da avenida da Saudade (a exemplo do que existe
atualmente na avenida 9 de Julho),
já destruído pelo tempo.
A família se enquadra em uma
segunda geração de imigrantes,
que tinha mão-de-obra especializada e que sobreviveu do dinheiro
que circulava por causa das plantações locais.
Segundo historiadores, os
italianos representaram cerca
de 80% dos trabalhadores que
vieram para a
região na época do café.
A cafeicultura entrou em
declínio no final da década
de 30, quando
ocorreu a crise
na Bolsa de
Nova York. Era o início do governo de Getúlio Vargas.
O jovem Papa estudou no 2º Grupo Escolar, atual colégio Fábio
Barreto. "Depois, aprendi minha
profissão: encanador, serralheiro e
funileiro", disse.
Já em 26, com 19 anos, deixou de
ser empregado e montou negócio
próprio na rua Saldanha Marinho,
entre a rua Duque de Caxias e a rua
Mariana Junqueira, bem na área
central.
O adolescente italiano desistiu
dos estudos por não ter dinheiro,
mas nem por isso deixou de estudar. Hoje, tem vários livros publicados e é membro da Academia Ribeirão-Pretana de Letras.
Ribeirão da década de 20 tinha 56
automóveis e 25 mil habitantes na
cidade, segundo estudo encomendado pelo então prefeito João Rodrigues Guião, no Centenário da
Independência (1922), e que ainda
é guardado nos arquivos do Instituto de Economia da ACI-RP (Associação Comercial e Industrial de
Ribeirão Preto).
Na zona rural do município viviam outras 50 mil pessoas, como
demonstra o documento.
Sem rádio nem televisão, o jovem ribeirão-pretano se divertia
no coreto da praça 15 de Novembro, com as apresentações de bandas, e ao redor de um tanque, já desativado, onde ficavam peixes vermelhos e os amigos se encontravam para conversar.
Era a época dos cassinos, como o
Antarctica, do
primeiro empresário da
noite ribeirão-pretana, Francisco Cassoulet.
Na década de
30, Papa costumava assistir
aos filmes mudos que passavam no Teatro
Carlos Gomes,
que depois seria demolido e,
no lugar, surgiria um terminal de ônibus que
existe até os dias de hoje.
O comerciante italiano ainda se
recorda do Café Pinho, no centro
da cidade. "Servia o melhor café do
país. Custava um tostão em pé e
mais caro sentado, 200 réis", disse.
Na década de 40, o ex-prefeito
Joaquim Camillo de Moraes Mattos discursou no casamento do jovem Papa com a brasileira Albertina Vanini Papa, com quem vive há
65 anos e teve três filhos.
Camillo de
Mattos, como
era mais conhecido, foi o
último prefeito
da "Era do Café", no final da
década de 30, e,
segundo o Arquivo Histórico Municipal,
tentou organizar resistência
contra Getúlio
Vargas.
É nessa época
que muda o cenário de tranquilidade na cidade.
Uma vez, Papa teve de se esconder
da polícia dentro de uma barbearia
por ter ouvido um discurso de um
desconhecido a favor do derrotado
Partido Republicano Paulista.
"Isso foi proibido pelo Getúlio e,
quando o rapaz levantou e começou a falar, todo mundo saiu correndo com medo da polícia."
Do lado de fora da barbearia ficou o dono do estabelecimento,
um italiano, que, desesperado, pedia em sua língua natal que o
deixassem entrar para se esconder.
O comerciante se mudou para a avenida Visconde
do Rio Branco,
de onde viu o
país declarar
guerra aos italianos e alemães. Do outro
lado do hemisfério, primos
dele engrossavam as fileiras contra
os Aliados (Forças Armadas comandadas por EUA e Reino Unido
que incluiu o Brasil). Terminada a
Segunda Guerra, depois de sobreviverem à frente russa, eles também viriam tentar a sorte em Ribeirão Preto.
Foi na época
do conflito que
Papa teve de
entregar o único rádio que tinha para as autoridades e ficou proibido
de falar em italiano. "Não
funcionou bem
porque a gente
ouvia rádio do
mesmo modo,
na casa dos
amigos."
Ribeirão desse período, depois da crise do
café, já tinha
diversificado a
produção agrícola.
Nos campos
se multiplicavam outras
culturas, principalmente o
algodão, trazendo a região de volta ao cenário
nacional.
Em 44, o imigrante italiano se valeu de uma lei recém-promulgada
por Getúlio Vargas para ganhar direito a votar. "Isso só era permitido para aqueles que fossem casados com brasileiras, tivessem filhos aqui e propriedades", disse.
O comerciante, então mais maduro, fechou a oficina no centro,
tendo feito como último trabalho
as instalações do Cine São Jorge, e
passou a construir casas.
Apesar de não gostar da política
local, Papa fez campanha para o
candidato Costábile Romano, na
década de 50. "A política em si é
bonita, mas existiam muitas brigas
entre eles", disse ele.
Ao final dos discursos, sempre
que participava, Papa convocava
os participantes a fazer uma oração. "Até tentaram me lançar candidato, mas sendo estrangeiro não
podia", disse Papa.
Como construtor, o imigrante
italiano conseguiu sustentar a família e ainda ergueu a própria casa, que hoje fica no centro.
Em 68, antes da eclosão do programa de álcool no país, Papa se
aposentou e passou a escrever e a
se envolver em obras assistenciais.
Seis anos antes, ele havia sido indicado para ocupar a cadeira 16 da
Academia Ribeirão-Pretana de Letras, no lugar ocupado por Paulo
Setúbal.
(ALESSANDRO SILVA)
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