Ribeirão Preto, Domingo, 21 de Março de 2010

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ANÁLISE

De quem é a culpa por uma epidemia de dengue?

ROBERTO MEDRONHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Essa simples pergunta possui uma complexa resposta. Inicialmente, deve-se deixar claro que a execução das ações de combate à doença é atribuição dos municípios. Entretanto, essa atividade deve ser complementada pelos governos estaduais. Por outro lado, é o governo federal quem normatiza as ações de controle e provê os recursos necessários aos governos estaduais e municipais. Destaca-se também o importante papel da sociedade por meio de atividades de mobilização social e de cobrança das autoridades públicas para que cumpram adequadamente a sua função. Obviamente, sem esquecer-se de realizar o seu dever de casa, literalmente. Desafortunadamente, a única forma de se combater é controlando o seu vetor, pois ainda não se dispõe de tratamento específico nem de vacina eficaz e segura. No Brasil, as condições socioeconômicas e ambientais aliadas à ineficiência crônica dos programas de combate em muitas cidades fazem com que o processo epidêmico seja modulado pelo esgotamento de indivíduos suscetíveis à doença na população, ao invés de um adequado controle do vetor. Ou seja, as epidemias se sucedem quase que como um processo "natural". Costuma-se fazer referência jocosa à dengue como sendo a "crônica de uma epidemia anunciada". Claro está que fatores importantes na produção da doença fazem com que a tarefa de combate seja muito complexa. Muitos destes fatores extrapolam os marcos da saúde: crescimento desordenado, condições de moradias inadequadas, inexistência ou irregularidade no abastecimento de água, destinação inapropriada de resíduos sólidos e intenso trânsito de pessoas e cargas entre regiões e países, provocando um grande tráfego de vírus e mosquitos. Além disso, o aquecimento global favorece o desenvolvimento do mosquito infestando regiões limítrofes aos trópicos até então indenes à doença. Por tudo isso, é válido dizer que a dengue é um problema que se expressa no setor saúde, não sendo específico deste. Assim, é fundamental para o êxito uma ação intersetorial efetiva. Finalmente, a resposta à pergunta poderia ser: a despeito da responsabilidade das secretarias municipais de saúde nas ações de combate, sem uma adequada articulação entre os distintos níveis de governo, sem uma efetiva participação da sociedade e sem uma boa articulação intersetorial, a difícil tarefa de combate à dengue torna-se uma luta inglória.


ROBERTO MEDRONHO é epidemiologista, chefe do Departamento de Medicina Preventiva da UFRJ


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