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Habitação é obsessão na vida do novo diretor do Fórum
João Gandini, autor do projeto Moradia Legal, viveu em casa de barro e em cortiço
Juiz atuou no fim das antigas cadeias, ajudou a criar varas especializadas e conseguiu reurbanizar a favela do Monte Alegre
JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO
A sensação de ter sua casa
destruída e levada pela chuva,
experimentada por moradores
de favelas de Ribeirão Preto, ele
conhece bem. Aos 11 anos, recorda-se de ver o nada que restou da casa de pau a pique onde
viveu com a família, em uma fazenda na cidade de Adolfo, próxima a São José do Rio Preto.
Como os que vivem em cubículos de submoradias, experimentou o aperto de morar com
a família no porão de 12 m2 de
um cortiço, em São Paulo. Aos
53 anos, o juiz João Gandini,
eleito no início do mês o novo
diretor do Fórum de Ribeirão,
explica a paixão que o moveu a
concretizar o Moradia Legal,
uma das maiores ações de habitação na cidade.
Um desejo "quase atávico",
tenta explicar Gandini, idealizador da iniciativa que o projetou nacionalmente. O Moradia
Legal, responsável pela reurbanização da favela Monte Alegre, rendeu em 2009 ao juiz o
prêmio Innovare, uma das
mais importantes premiações
da área judicial no país.
O prêmio é um reconhecimento tardio de quem sempre
se imaginou juiz, mesmo nunca
tendo ouvido essa palavra. "Eu
nunca nem tinha visto um juiz
na frente, mas sabia que eu
queria julgar, decidir as coisas
dos outros. Meus parentes
achavam que eu tinha um ar
presunçoso", conta Gandini.
A educação foi a arma do filho de lavradores. Alfabetizou-se em uma escola distante da
fazenda sete quilômetros
-percorridos a pé. Desde então, lia o que caía à mão, "de
jornal usado a pedaços de revistinhas velhas".
Conciliava o estudo com o
trabalho na roça, desde os 7
anos. Também vendeu banana
e sorvete na rua e catou papelão. Já morando em São Paulo,
não teve dúvidas em prestar
vestibular para direito. Passou
na única instituição que poderia frequentar por ser pública: a
Faculdade de Direito da USP,
no Largo São Francisco.
Recém-formado, prestou e
passou no primeiro concurso
para magistratura, em 11º lugar. A carreira como juiz-titular em Jaboticabal teve seu primeiro marco na área da habitação. O projeto Moradia Legal
foi "gestado" na remoção de 16
famílias da favela da Fepasa.
Em oito meses, as famílias ganharam casa própria.
Como juiz em Ribeirão,
atuou na Vara Criminal por sete anos. Integrou a comissão
que ajudaria a dar fim às cadeias superlotadas e que ajudou a idealizar o modelo dos
atuais CDPs (Centros de Detenção Provisória).
Na área cível, insistiu com o
Tribunal de Justiça que Ribeirão comportava uma Vara da
Fazenda Pública, para onde
pudessem ser separadas todas
as ações relacionadas ao poder
público. "O setor público precisa ser organizado, revisto."
As duas varas criadas revelaram o volume de trabalho: 80
mil processos -um juiz cuida,
em média, de 7.000 processos.
O filtro, feito muitas vezes na
madrugada e nos finais de semana, revelou os principais
problemas da cidade: invasões
irregulares, medicamentos pedidos na Justiça e falta de
transporte para cadeirante.
Leitor voraz, ele diz se orgulhar de nunca recorrer a um caderno, nem na pós-graduação.
"Guardo tudo na memória."
Além da leitura, divide a paixão
pela magistratura com a pescaria e a velocidade -tem uma
moto Honda Shadow 680 cilindradas. Há 19 anos em Ribeirão, diz não querer deixar a cidade. "É a melhor do mundo,
ainda que tenha suas mazelas,
que podem ser consertadas
com políticas públicas."
Como diretor do Fórum, disse querer ampliar o número de
varas e digitalizar os processos.
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