Ribeirão Preto, Domingo, 21 de Março de 2010

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Habitação é obsessão na vida do novo diretor do Fórum

João Gandini, autor do projeto Moradia Legal, viveu em casa de barro e em cortiço

Juiz atuou no fim das antigas cadeias, ajudou a criar varas especializadas e conseguiu reurbanizar a favela do Monte Alegre

JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO

A sensação de ter sua casa destruída e levada pela chuva, experimentada por moradores de favelas de Ribeirão Preto, ele conhece bem. Aos 11 anos, recorda-se de ver o nada que restou da casa de pau a pique onde viveu com a família, em uma fazenda na cidade de Adolfo, próxima a São José do Rio Preto.
Como os que vivem em cubículos de submoradias, experimentou o aperto de morar com a família no porão de 12 m2 de um cortiço, em São Paulo. Aos 53 anos, o juiz João Gandini, eleito no início do mês o novo diretor do Fórum de Ribeirão, explica a paixão que o moveu a concretizar o Moradia Legal, uma das maiores ações de habitação na cidade.
Um desejo "quase atávico", tenta explicar Gandini, idealizador da iniciativa que o projetou nacionalmente. O Moradia Legal, responsável pela reurbanização da favela Monte Alegre, rendeu em 2009 ao juiz o prêmio Innovare, uma das mais importantes premiações da área judicial no país.
O prêmio é um reconhecimento tardio de quem sempre se imaginou juiz, mesmo nunca tendo ouvido essa palavra. "Eu nunca nem tinha visto um juiz na frente, mas sabia que eu queria julgar, decidir as coisas dos outros. Meus parentes achavam que eu tinha um ar presunçoso", conta Gandini.
A educação foi a arma do filho de lavradores. Alfabetizou-se em uma escola distante da fazenda sete quilômetros -percorridos a pé. Desde então, lia o que caía à mão, "de jornal usado a pedaços de revistinhas velhas".
Conciliava o estudo com o trabalho na roça, desde os 7 anos. Também vendeu banana e sorvete na rua e catou papelão. Já morando em São Paulo, não teve dúvidas em prestar vestibular para direito. Passou na única instituição que poderia frequentar por ser pública: a Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco.
Recém-formado, prestou e passou no primeiro concurso para magistratura, em 11º lugar. A carreira como juiz-titular em Jaboticabal teve seu primeiro marco na área da habitação. O projeto Moradia Legal foi "gestado" na remoção de 16 famílias da favela da Fepasa. Em oito meses, as famílias ganharam casa própria.
Como juiz em Ribeirão, atuou na Vara Criminal por sete anos. Integrou a comissão que ajudaria a dar fim às cadeias superlotadas e que ajudou a idealizar o modelo dos atuais CDPs (Centros de Detenção Provisória).
Na área cível, insistiu com o Tribunal de Justiça que Ribeirão comportava uma Vara da Fazenda Pública, para onde pudessem ser separadas todas as ações relacionadas ao poder público. "O setor público precisa ser organizado, revisto."
As duas varas criadas revelaram o volume de trabalho: 80 mil processos -um juiz cuida, em média, de 7.000 processos. O filtro, feito muitas vezes na madrugada e nos finais de semana, revelou os principais problemas da cidade: invasões irregulares, medicamentos pedidos na Justiça e falta de transporte para cadeirante.
Leitor voraz, ele diz se orgulhar de nunca recorrer a um caderno, nem na pós-graduação. "Guardo tudo na memória." Além da leitura, divide a paixão pela magistratura com a pescaria e a velocidade -tem uma moto Honda Shadow 680 cilindradas. Há 19 anos em Ribeirão, diz não querer deixar a cidade. "É a melhor do mundo, ainda que tenha suas mazelas, que podem ser consertadas com políticas públicas."
Como diretor do Fórum, disse querer ampliar o número de varas e digitalizar os processos.


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