Ribeirão Preto, Domingo, 23 de maio de 1999

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ESCOLA DA VIDA
Escola é esperança de trabalhador rural
Bóias-frias revezam lavoura e faculdade

LUCIANA CAVALINI
enviada especial a Sertãozinho,

Dobrada e Tabatinga Trabalhadores rurais da região de Ribeirão Preto conseguem se manter na universidade com o trabalho na lavoura. Revezando o facão e os livros, esses bóias-frias sacrificam noites de sono para tentar mudar o futuro.
Depois de ficar 12 anos sem estudar, o trabalhador rural Aparecido do Carmo, 37, começou no semestre passado a cursar ciência da computação em Ribeirão.
Há 23 anos trabalhando em usinas, ele começa a ter contato pela primeira vez com noções de inglês e computação. Casado e com três filhos, Carmo mora em uma casa de fundos em Barrinha e recebe um salário de cerca de R$ 250.
Ele conseguiu uma bolsa de estudos por um convênio feito entre a usina Santa Elisa, onde trabalha, e o Centro Universitário Barão de Mauá, de Ribeirão Preto. A mensalidade do curso é de R$ 458.
"Estar na sala de aula de uma faculdade era um sonho que, mesmo tarde, estou conseguindo realizar", afirma o bóia-fria.
O mesmo convênio beneficiou o trabalhador rural Eurival Silva Santos, 34, que há três meses cursa administração de empresas.
Ele mora no alojamento da usina, em Sertãozinho, e viaja diariamente a Ribeirão. "Acho um pouco sacrificado porque trabalho das 7h às 17h, mas está valendo a pena", diz (leia textos nesta página).
O trabalhador rural Cícero Quirino da Costa, 29, teve de abandonar o trabalho no corte de cana para conseguir concluir o curso de história e geografia na Faculdade São Luiz, de Jaboticabal.
Ele contou com a ajuda de custo paga pelo Sindicato dos Empregados Rurais de Dobrada, onde trabalha. Já formado, ele começou em 98 a cursar direito na Uniara (Centro Universitário de Araraquara), mas tem dificuldade para pagar a mensalidade, de R$ 288.
"Já tive que vender um terreno no ano passado para conseguir continuar estudando e vivo uma ameaça permanente de ter que deixar a faculdade", afirma.
Costa é o quarto filho de uma família de nove irmãos e o único a concluir um curso superior.
"Meus pais são analfabetos e incentivavam os filhos a estudar. Mas sempre acharam que o mais importante era trabalhar."
Laércio Haints também contou com o salário do Sindicato dos Empregados Rurais de Tabatinga para concluir o curso de direito na Uniara. Desde os 14 anos, ele trabalhou na colheita de laranja.
"Minha sorte é que, todas as vezes que ficou impossível conciliar trabalho e estudo, meu pai me ajudou a continuar estudando."
Filho único de um descendente de alemães, ele afirma ter alcançado o grande objetivo da família ao se formar no início do ano, aos 36.
Antes de cursar direito na Uniara, ele já havia sido aprovado em três faculdades -entre elas, enfermagem na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Para a socióloga Eliana Dancini, o número de trabalhadores rurais que chega a uma faculdade é insignificante. "É uma luta de gigantes. Mas são casos isolados que não mostram uma mudança nas relações de trabalho", afirma.




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