Ribeirão Preto, Domingo, 31 de Outubro de 2010

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Do estradão ao estrelato

Peões boiadeiros tocam gado por até 800 km para ganhar R$ 35 por dia, enquanto montarias em touros dão fama e fortuna a brasileiros nos EUA

Silva Junior/Folhapress
Elizandro Dias Costa, 33, com boiada em fazenda de Paranaíba

MARCELO TOLEDO
ENVIADO ESPECIAL A PARANAÍBA (MS)

FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A LAS VEGAS (EUA)

O peão Elizandro Dias Costa, 33, já vendeu sua tropa de mulas, usada nas comitivas que tocavam gado pelo estradão (estradas de terra que ligam fazendas e cidades) sul-matogrossense, porque as viagens, em que os peões chegam a ganhar R$ 35 por dia, quase desapareceram.
Enquanto isso, nos EUA, o peão Renato Nunes, 29, sagrou-se campeão mundial de rodeio e ganhou US$ 1,25 milhão. A origem deles é a mesma, mas os caminhos trilhados são muito diferentes.
Enquanto Costa montou em rodeios por sete anos, mas se deixou levar pela bebida e, também, pela falta de oportunidades, Nunes foi tentar a sorte nos EUA. Mora no Texas desde 2005 e é uma das estrelas da PBR (Professional Bull Riders), que reúne peões de cinco países.
Costa é peão à moda antiga em Paranaíba (MS). Vive no estradão tocando gado pelos "corredores" que ligam uma fazenda a outra, ainda que a "outra" fique a 800 km.

"VIDA ESTRADEIRA"
Mato Grosso do Sul foi a origem da maior parte das boiadas trazidas para SP, especialmente Barretos e Andradina. Foi, porque as rodovias, entre outros fatores, dizimaram a vida estradeira.
Peões, produtores rurais e sindicatos nas cidades de Paranaíba, Inocência e Aparecida do Taboado, em MS, dizem que hoje não há, na histórica região, nem 20 comitivas que se prestem a deixar as famílias por até dois meses para se aventurar pelas estradas, levando até 1.500 cabeças de gado para outras cidades e Estados, para receber no máximo R$ 50 por dia, sem direitos trabalhistas.
Não que a pecuária não seja a atividade principal -Paranaíba tem o terceiro maior rebanho do MS, com 2,1 milhões de cabeças-, mas ela deixou de gerar empregos no estradão, segundo Manoel Bertoldo Neto, presidente do Sindicato Rural da cidade.
Paranaíba tem 3.000 propriedades rurais e cerca de 4.000 dos 40 mil habitantes trabalhando com gado.
"Quando vejo os caras em touros na TV, saio de perto. Dá uma tristeza e frustração danadas", disse Costa, que montou até 2001 e, desde então, vive do estradão e da venda de animais. "Viver só do estradão é impossível."

DIFICULDADES
Único capataz de boiada de Aparecida do Taboado, Jesus Antônio Martins, 49, disse que chegou a viajar oito meses por ano com tropas, mas agora, quando muito, fica três meses longe. "A cana atrapalhou também, porque ocupou áreas de boiadas."
O endurecimento da legislação é outro fator que afasta os peões da função que, no passado, serviu para abastecer regiões como a de Ribeirão Preto de carne bovina.
Para passar pelas barreiras sanitárias, as comitivas precisam exibir atestados de vacinação das mulas usadas -R$ 25 por cabeça, com validade de só dois meses.
Dizendo-se hoje sem habilidade para rodeio, Arley Coutinho, 39, ganha R$ 870 em carteira -o mínimo rural é de R$ 561- para cuidar de 1.070 cabeças numa fazenda, onde está há 22 anos. "Dá inveja ao ver o que alguns ganham, é muita grana..."
Para o tricampeão mundial da PBR Adriano Moraes, o glamour da vida do peão nos EUA pode enganar.
"Se não conseguirem ganhar muito dinheiro nos EUA, vão ter que voltar para o Brasil. E, se não souberem cuidar do dinheiro, acabam voltando a trabalhar de empregado da mesma forma que quando começaram."


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