São Paulo, segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Próximo Texto | Índice

Outros tempos

Formadas há 50 anos no tradicional Instituto de Educação, alunas da turma de 1960 são testemunhas da massificação do ensino

Rafael Andrade/Folha Imagem
Alunas da turma de 1960 olham álbum de formatura; da esq. para a dir.: Maria Célia, Gilda, Marília, Yvonne (ao fundo) e Ivanita

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Ivanita Gil Villon guarda até hoje fotos de seus alunos. Era costume, em seu tempo de magistério, os estudantes presentearem seus mestres com retratos e fazerem dedicatórias carinhosas no verso.
Neste ano, ela e as colegas se organizam para comemorar 50 anos de formadas no Instituto de Educação, no Rio, um dos mais tradicionais centros de formação de professores do país, que celebra 130 anos.
O período marca um momento crucial da educação brasileira: foi a partir da década de 50 que a escola pública começou a se massificar, num processo que a tornou mais democrática, mas que é associado à perda de qualidade.
Ivanita e suas colegas são testemunhas dessa transição. Elas lembram que, quando se formaram, o magistério ainda era uma carreira de prestígio.
"Era um orgulho para a família ter uma professora, e os salários não eram tão ruins. Com meus primeiros vencimentos, comprei uma TV, um luxo na época", conta Gilda Rebouças, outra das formadas há 50 anos.
A valorização não se refletia apenas no salário. Logo após formadas, a maioria foi alocada em escolas no subúrbio. A carência de transporte público era compensada pela solidariedade: "Os motoristas, ao verem um grupo de professoras, ofereciam carona", diz Gilda.
Se hoje os ingressantes em cursos de formação de professores são, em média, alunos de nível socioeconômico mais baixo em comparação com outras carreiras, na época, mesmo a formação sendo em nível médio, o curso era concorrido.
"Estudei muito mais para o vestibulinho do instituto do que para entrar na faculdade de arquitetura", lembra Marília Pinto, que virou arquiteta.
Além da rigorosa disciplina, elas lembram que havia ênfase em práticas pedagógicas no curso. "Antes de dar aula, ficávamos um ano acompanhando um professor. Hoje, você passa num concurso e já é chamado. O mestre não tem o manejo de turma que tínhamos", diz Maria Célia Carneiro.
A mudança no perfil do aluno à medida que a educação pública se expandia também é uma característica marcante, lembrada por todas.
"Dizíamos para as mães que, da porta da escola para fora, são seus filhos. Daqui para dentro, são meus. Isso foi deixando de existir", conta Léa Renner.
"Quando começamos a dar aulas, tínhamos também alunos pobres, mas as famílias eram mais estruturadas e nos viam como parceiras", concorda Maria Célia.
Em 1990, ela cumpriu os três últimos anos de trabalho que lhe faltavam para a aposentadoria numa escola aos pés do morro do Borel, na Tijuca (zona norte do Rio).
O diretor era escolhido por eleição. Certo dia, escutou um aluno comentar por que seus pais não votariam em determinada candidata. O motivo era que "o moço lá do morro" queria que todos votassem na atual diretora. "Fui à sala dela e avisei: se você continuar fazendo concessões, chegará um dia em que ele [o chefe do tráfico] estará sentado em sua cadeira."
Esse dia não chegou, mas os tempos já eram outros.


Próximo Texto: Escola dos anos 50 e 60 era melhor, mas atendia poucos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.