São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009

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Diretrizes cardíacas têm pouca evidência

Estudo avalia orientações das principais sociedades de cardiologia dos EUA e conclui que em 47,5% falta comprovação de eficácia

Médicos devem ter senso crítico para avaliar normas que podem ter influência de interesses financeiros, alertam os especialistas

Leonardo Wen/Folha Imagem
Médicos durante cirurgia de safena; uso amplo de droga betabloqueadora é questionado

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase metade das diretrizes internacionais em cardiologia -recomendações de sociedades médicas que orientam as decisões dos especialistas na hora de tratar o paciente- estão baseadas em baixos níveis de evidência científica.
A conclusão é de um amplo estudo publicado no "Jama" (revista da Associação Médica Americana), que revisou as diretrizes médicas de duas das mais renomadas sociedades de cardiologia -American College of Cardiology e American Heart Association- cujas decisões são, muitas vezes, seguidas em vários países, inclusive por médicos brasileiros.
Um exemplo prático é o uso de oxigênio para pacientes infartados, amplamente recomendado nas diretrizes cardiológicas. Agora, novas evidências científicas dizem que o tratamento só deve ser indicado a pacientes com baixa oxigenação na chegada à emergência.
No artigo do "Jama", os pesquisadores avaliaram 53 diretrizes, com 7.196 recomendações, publicadas nos últimos 24 anos -de 1984 a 2008- e concluíram que 47,5% das que ainda estão em vigor têm nível C de evidência científica -quando não há forte comprovação de que os procedimentos ou medicamentos recomendados sejam realmente eficazes. São, normalmente, baseadas em opiniões de especialistas ("experts") e estudos menores.
No nível A, por exemplo, enquadram-se as evidências científicas mais sólidas, apoiadas em vários estudos randomizados -que envolvem a escolha aleatória da droga que o participante da pesquisa receberá- ou meta-análises, que são as grandes revisões de estudos clínicos. Apenas 11,4% das diretrizes em cardiologia estão nesse nível, segundo o artigo.
Para o cardiologista Pierluigi Tricoci, um dos autores do estudo e membro do Instituto de Pesquisas Clínicas da Universidade de Duke, os médicos devem ter cautela ao considerarem recomendações sem uma sólida evidência científica.

Conflito de interesse
Outro fato preocupante, na sua avaliação, é a constatação de que muitas das diretrizes se sustentam em opiniões de "experts" e podem ser influenciadas por interesses financeiros -é comum esses especialistas receberem patrocínio da indústria farmacêutica.
Para o cardiologista Bráulio Luna Filho, professor de metodologia científica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o artigo é importante porque muitas das recomendações que constam das diretrizes são utilizadas para justificar uma série de procedimentos médicos muito caros.
"Nos hospitais mais sofisticados do Brasil e dos EUA, a droga trombolítica mais usada no tratamento do infarto não é a estreptoquinase [usada desde 1949], mas outras até seis vezes mais caras e sem comprovação de que sejam mais eficientes."
Segundo Luna Filho, isso acontece por causa dos conflitos de interesses entre médicos e a indústria farmacêutica.
O médico Álvaro Attalah, diretor do Centro Cochrane do Brasil, também alerta para a necessidade de uma melhor capacitação dos médicos brasileiros: "Lá [nos EUA] predomina o interesse, aqui, o despreparo, o que é ainda maior."
Evandro Tinoco Mesquita, diretor clínico do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio, concorda: "É importante capacitar os profissionais para fazer uma análise crítica daquilo que está sendo proposto nos consensos médicos. Não se pode simplesmente seguir às cegas as diretrizes."
Para o cardiologista Sergio Timerman, do InCor (Instituto do Coração), em algumas áreas da cardiologia -como a emergência-, é muito difícil realizar estudos clínicos com níveis maiores de evidência porque eles demandam um número maior de pessoas -o que é inviável em situações críticas, como uma parada cardíaca.
Timerman pondera que as diretrizes de nível C são apoiadas em estudos clínicos menores, da mesma forma que as opiniões dos "experts" que ajudaram na elaboração delas. "Não é opinião pessoal."


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