São Paulo, sábado, 11 de julho de 2009

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Brasileiros vão ao Panamá para mudar a cor do olho

Técnica desenvolvida por oftalmologista panamenho é condenada por médicos

Para o Colégio Brasileiro de Oftalmologia, a cirurgia traz riscos altos de complicações irreversíveis, como catarata, glaucoma e até cegueira

FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Depois da cor do cabelo, do formato do nariz e do tamanho dos seios, um cirurgião do Panamá propõe a possibilidade de mudar definitivamente outro atributo: a cor dos olhos. Ele criou uma técnica para implantar uma lente colorida na frente da íris, que tampa a cor original.
O inventor do procedimento é o oftalmologista Delary Kahn, que disse à Folha que há brasileiros viajando para se submeter à cirurgia, apesar de "não passarem de uma dezena". Ele diz que a técnica é feita desde 2002 e é usada também para albinos (que têm a íris transparente) e para pessoas com problemas nessa estrutura ocular.
Vários médicos brasileiros, porém, condenam a técnica. O presidente do Colégio Brasileiro de Oftalmologia, Hamilton Moreira, por exemplo, se diz "radicalmente contrário". A entidade encaminhou, em março, uma carta ao Ministério Público do Rio afirmando que o procedimento "acarreta riscos altos de complicações sérias e irreversíveis, tais como a cegueira". Glaucoma e catarata também são citados.
Moreira diz que, futuramente, pode até ser criada uma técnica segura para mudar a cor dos olhos, mas que a atual é "um absurdo". "Certamente comprometerá a qualidade da visão dos pacientes no futuro."
Wallace Chamon, oftalmologista do Instituto da Visão da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que a íris é uma estrutura "extremamente delicada" e que a cirurgia é agressiva e "totalmente experimental". Ele sabe de ao menos quatro pacientes brasileiros que passaram pelo método. "Alguns deles tiveram problemas sérios. Não vai ser infrequente ver pessoas cegas."
"Loucura" é o termo usado pelo oftalmologista Newton Kara José, professor emérito da USP (Universidade de São Paulo), para se referir à técnica. "É uma das maiores imbecilidades que já ouvi. Mesmo no caso dos albinos, é muito mais lógico e seguro que coloquem lentes de contato coloridas."
O oftalmologista Remo Susanna Jr., professor da USP, atendeu uma modelo argentina que mudou os olhos de castanhos para azuis e quase ficou cega. "A lente foi retirada, mas ela perdeu 80% do nervo ótico direito e 70% do esquerdo."

Estudos
Delary Kahn diz que já fez mais de 600 cirurgias. Ele admite que não há estudos de longo prazo, mas afirma que a tecnologia é adaptada de um procedimento conhecido, a cirurgia de catarata, que também envolve uma lente intraocular. Segundo ele, a incidência de efeitos colaterais é de 1%.
Para o oftalmologista William Teixeira Jr., que acompanha uma paciente brasileira que se submeteu à operação (leia nesta página), os riscos não são maiores do que os de qualquer cirurgia oftalmológica. "Cada pessoa tem que ver quais são os seus sonhos. Sabendo que há um risco, pode optar por fazer ou não."
Ele diz que, no Panamá, não é exigido que se façam pesquisas experimentais e testes em humanos antes que o procedimento seja oferecido. "Num congresso de oftalmologia, esse panamenho tentou apresentar essa lente, mas ela não foi aprovada porque não havia estudos." Defende, porém, que sejam feitas pesquisas na área e diz que, se a técnica for liberada pela Anvisa, pode aplicá-la.
Teixeira Jr. faz parte do grupo que o cirurgião plástico João Magalhães, professor da Universidade Iguaçu, no Rio, criou para estudar o caso da paciente brasileira. Ele a acompanhou ao Panamá para observar a cirurgia e acredita que em breve a técnica deva ser aplicada no Brasil. "É extremamente simples, dura dez minutos, não punciona nenhuma veia, não tem pontos e só exige anestesia tópica." Segundo ele, o paciente fica "encantado" com o resultado. "Pessoas de olhos claros chamam mais a atenção."
Magalhães diz que está recrutando pacientes para testar a cirurgia no país. Para isso, será necessária autorização da Anvisa. Ele afirma que as críticas que a técnica recebe se devem ao fato de ser nova. "A sociedade médica sempre vê qualquer inovação com rigor."
"O problema não é a cirurgia ser nova nem o tipo de técnica cirúrgica empregada. O problema são os resultados, o custo-benefício em termos de saúde", avalia Newton Kara José.
Ele considera o procedimento muito diferente de uma cirurgia de catarata, na qual a lente substitui o cristalino. "Nesse caso, a lente preenche um espaço que não é para isso. A chance de ter glaucoma, inflamações no olho e descompensação da córnea é enorme."


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