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Brasileiros vão ao Panamá para mudar a cor do olho
Técnica desenvolvida por oftalmologista panamenho é condenada por médicos
Para o Colégio Brasileiro de Oftalmologia, a cirurgia traz riscos altos de complicações irreversíveis, como catarata, glaucoma e até cegueira
FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
Depois da cor do cabelo, do
formato do nariz e do tamanho
dos seios, um cirurgião do Panamá propõe a possibilidade de
mudar definitivamente outro
atributo: a cor dos olhos. Ele
criou uma técnica para implantar uma lente colorida na frente
da íris, que tampa a cor original.
O inventor do procedimento
é o oftalmologista Delary Kahn,
que disse à Folha que há brasileiros viajando para se submeter à cirurgia, apesar de "não
passarem de uma dezena". Ele
diz que a técnica é feita desde
2002 e é usada também para
albinos (que têm a íris transparente) e para pessoas com problemas nessa estrutura ocular.
Vários médicos brasileiros,
porém, condenam a técnica. O
presidente do Colégio Brasileiro de Oftalmologia, Hamilton
Moreira, por exemplo, se diz
"radicalmente contrário". A
entidade encaminhou, em
março, uma carta ao Ministério
Público do Rio afirmando que o
procedimento "acarreta riscos
altos de complicações sérias e
irreversíveis, tais como a cegueira". Glaucoma e catarata
também são citados.
Moreira diz que, futuramente, pode até ser criada uma técnica segura para mudar a cor
dos olhos, mas que a atual é
"um absurdo". "Certamente
comprometerá a qualidade da
visão dos pacientes no futuro."
Wallace Chamon, oftalmologista do Instituto da Visão da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), diz que a íris é
uma estrutura "extremamente
delicada" e que a cirurgia é
agressiva e "totalmente experimental". Ele sabe de ao menos
quatro pacientes brasileiros
que passaram pelo método.
"Alguns deles tiveram problemas sérios. Não vai ser infrequente ver pessoas cegas."
"Loucura" é o termo usado
pelo oftalmologista Newton
Kara José, professor emérito
da USP (Universidade de São
Paulo), para se referir à técnica.
"É uma das maiores imbecilidades que já ouvi. Mesmo no
caso dos albinos, é muito mais
lógico e seguro que coloquem
lentes de contato coloridas."
O oftalmologista Remo Susanna Jr., professor da USP,
atendeu uma modelo argentina
que mudou os olhos de castanhos para azuis e quase ficou
cega. "A lente foi retirada, mas
ela perdeu 80% do nervo ótico
direito e 70% do esquerdo."
Estudos
Delary Kahn diz que já fez
mais de 600 cirurgias. Ele admite que não há estudos de longo prazo, mas afirma que a tecnologia é adaptada de um procedimento conhecido, a cirurgia de catarata, que também
envolve uma lente intraocular.
Segundo ele, a incidência de
efeitos colaterais é de 1%.
Para o oftalmologista William Teixeira Jr., que acompanha uma paciente brasileira
que se submeteu à operação
(leia nesta página), os riscos
não são maiores do que os de
qualquer cirurgia oftalmológica. "Cada pessoa tem que ver
quais são os seus sonhos. Sabendo que há um risco, pode
optar por fazer ou não."
Ele diz que, no Panamá, não é
exigido que se façam pesquisas
experimentais e testes em humanos antes que o procedimento seja oferecido. "Num
congresso de oftalmologia, esse
panamenho tentou apresentar
essa lente, mas ela não foi aprovada porque não havia estudos." Defende, porém, que sejam feitas pesquisas na área e
diz que, se a técnica for liberada
pela Anvisa, pode aplicá-la.
Teixeira Jr. faz parte do grupo que o cirurgião plástico João
Magalhães, professor da Universidade Iguaçu, no Rio, criou
para estudar o caso da paciente
brasileira. Ele a acompanhou
ao Panamá para observar a cirurgia e acredita que em breve a
técnica deva ser aplicada no
Brasil. "É extremamente simples, dura dez minutos, não
punciona nenhuma veia, não
tem pontos e só exige anestesia
tópica." Segundo ele, o paciente
fica "encantado" com o resultado. "Pessoas de olhos claros
chamam mais a atenção."
Magalhães diz que está recrutando pacientes para testar
a cirurgia no país. Para isso, será necessária autorização da
Anvisa. Ele afirma que as críticas que a técnica recebe se devem ao fato de ser nova. "A sociedade médica sempre vê
qualquer inovação com rigor."
"O problema não é a cirurgia
ser nova nem o tipo de técnica
cirúrgica empregada. O problema são os resultados, o custo-benefício em termos de saúde",
avalia Newton Kara José.
Ele considera o procedimento muito diferente de uma cirurgia de catarata, na qual a
lente substitui o cristalino.
"Nesse caso, a lente preenche
um espaço que não é para isso.
A chance de ter glaucoma, inflamações no olho e descompensação da córnea é enorme."
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