São Paulo, domingo, 13 de setembro de 2009

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Viciada em chiclete de nicotina

A dona de casa Severina Inácio da Silva, 49, trocou dois maços de cigarro diários por goma de mascar, mas não conseguia mais largá-la; chegou a consumir 30 unidades por dia

Eduardo Knapp/Folha Imagem
A dona de casa Severina Inácio da Silva

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como 90% dos fumantes, a dona de casa Severina Inácio da Silva tornou-se dependente do cigarro ainda na adolescência, aos 16 anos. Nem a primeira gravidez, aos 18 anos, e as outras duas que viriam em seguida foram o bastante para demovê-la do vício.
"Só parava quando estava na maternidade. Assim que saía, era um cigarro atrás do outro. Na época, não sabia que poderia prejudicar o bebê também", diz Severina, hoje com 49 anos.
Há cinco anos, quando atingiu a marca de dois maços de cigarros por dia e se viu hipertensa, Severina decidiu procurar ajuda médica para deixar o tabagismo. Recebeu indicação de adesivos e gomas de mascar de nicotina -as chamadas terapias de reposição de nicotina.
Os adesivos possuem de 15 mg a 30 mg de nicotina, que são liberados na corrente sanguínea. Já as gomas liberam em torno de 2 mg de nicotina. Essas terapias ajudam a reduzir os sintomas da abstinência provocada pela falta do cigarro.
A nicotina é apenas uma entre as mais de 4.000 substâncias químicas presentes no cigarro -e é considerada a menos tóxica ao organismo.
Também não há evidências de que ela provoque câncer ou doenças pulmonares, mas pode sobrecarregar o coração, o que faz com que seja contraindicada a pessoas que sofrem de problemas cardíacos.
"Na época em que comecei a usar a goma, parei totalmente com o cigarro. Foi uma festa lá em casa porque nenhum dos meus três filhos fuma. Eles reclamavam muito da fumaça e do cheiro que ficava pela casa."
Dois anos se passaram e ela percebeu que estava dependente da goma de mascar de nicotina. "De meia em meia hora, mascava uma e começava outra em seguida. Fiquei viciada."
A indicação médica era usar três ou quatro gomas por dia. Severina chegou a consumir uma caixa com 30 -dez vezes a quantidade recomendada.

Peso no bolso
Casos como os de Severina são incomuns, mas podem acontecer especialmente se a pessoa não tiver um acompanhamento médico, segundo a cardiologista Jaqueline Scholz Issa, diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do InCor (Instituto do Coração).
Issa já viu ao menos cinco casos parecidos e diz que alguns pacientes viciados na goma de mascar ingeriam uma quantidade de nicotina equivalente a 20 cigarros por dia. "São pessoas com um alto grau de dependência à nicotina e que, em geral, vão precisar de outras opções terapêuticas."
Já outros fumantes podem desenvolver uma dependência mais psicológica do que química em relação às gomas de nicotina. "Tenho um paciente que usa uma ou duas gomas por dia, mas fica mascando essas mesmas gomas o tempo todo, mesmo quando não há mais nenhum sinal da nicotina."
A cardiologista afirma que o vício na goma não costuma durar muito porque, quando começa a pesar no bolso, o dependente tende a voltar a fumar.
Foi o que ocorreu com Severina. "Gastava mais de R$ 30 com uma caixa com 30 unidades. Era quase uma por dia. Pensei: "Essa goma está me dando prejuízo. Vício por vício, vou continuar fumando"."
Ela acredita que o divórcio e a descoberta de uma artrose no joelho foram os fatores que a levaram a procurar refúgio novamente no cigarro. "Ficava mais calma. Por alguns minutos, os problemas pareciam menores."
O sinal vermelho voltou a acender há dois meses, após sofrer uma crise hipertensiva. "Tive que ser internada e o médico disse que ou eu parava de fumar ou sofreria um derrame cerebral", lembra.
Severina iniciou novo tratamento há três semanas, agora à base do medicamento bupropiona, um antidepressivo que atua na recaptação da dopamina e da adrenalina, inibindo o desejo pela nicotina.
"Estou sentindo enjoo do cigarro. Nos primeiros dias, ainda fumei um pouco. Mas agora nem posso sentir o cheiro. Dessa vez, acho que é definitivo."
A dona de casa comemora outras conquistas. "Voltei a sentir o sabor dos alimentos. Também é ótimo não ter mais as roupas e o cabelo cheirando a cigarro. E meus filhos pararam de implicar comigo."


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