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"Morro como eu quiser"

Aposentada com doença intestinal declarou que prefere morrer a passar por cirurgia; casos como esse se multiplicam pelo Brasil

Adriano Vizoni/Folhapress
A aposentada Celina Maria Rubo, 71, em sua casa no interior paulista
A aposentada Celina Maria Rubo, 71, em sua casa no interior paulista

DÉBORA MISMETTI
EDITORA-ASSISTENTE DE “CIÊNCIA+SAÚDE”

"Temos uma cultura que tenta esquecer que a morte vem. Por que não preparar uma morte boa?", questiona a aposentada Celina Maria Rubo, 71, de São João da Boa Vista (interior paulista).

Para tentar garantir uma morte com dignidade e com o menor grau de sofrimento possível, Celina tomou a atitude aparentemente extrema de colocar no papel suas vontades para o fim da vida.

Ela escolheu um primo como responsável por decidir sobre um tratamento específico ao qual não quer ser submetida -a retirada do intestino, um risco que Celina corre por ter obstrução intestinal e diverticulite, problemas que acabaram matando sua mãe.

O caso da aposentada chama a atenção na esteira da nova regra anunciada anteontem pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). A decisão do CFM diz que os médicos devem seguir a vontade do paciente quando ele recusar tratamentos inúteis e dolorosos, que podem prolongar a vida do doente mas são incapazes de curá-lo.

A medida vale para pacientes de doenças terminais (sem esperança de cura) e em estado vegetativo.

SEM EUTANÁSIA

Não se trata de eutanásia: o médico não ganha aval para apressar ativamente a morte do paciente -apenas evita esforços para manter a pessoa com vida a todo custo.

Para que a decisão do doente de recusar procedimentos médicos considerados "fúteis" seja válida, ela precisa ser tomada quando o paciente ainda está de posse de suas faculdades mentais (veja o quadro à direita).

Segundo Celina, foi justamente a morte da mãe que a fez acordar para a necessidade de "preparar a minha morte do jeito que tem de ser".

"Minha mãe teve obstrução intestinal há seis anos. O médico queria operá-la e nós [os filhos] achamos que ela não deveria passar por uma situação como essa no fim", explicou ela à Folha.

Se fosse operada, a mãe "teria seu intestino retirado, ficaria com aquela bolsinha [de colostomia]. É horrível. Não deixamos. Ela viveu por mais três anos com boa qualidade de vida, foi tratada com remédio paliativo".

Com a descoberta de que tinha o mesmo problema, ela confessa ter ficado apavorada com a possibilidade de que a operassem sem o seu consentimento.

"O médico disse: 'Se você chegar ao hospital desmaiada, em coma, a gente opera'. Mas eu não quero! Achei que deveria haver um jeito de ter minha vontade cumprida. Pode operar pulmão, coração, cabeça. Só não pode operar o meu intestino. Até o nome da cirurgia está determinado no documento", diz Celina.

Tomada a decisão, a principal dificuldade foi achar alguém que topasse zelar pelos desejos da aposentada. Seu filho, seus irmãos e seus sobrinhos se recusaram a discutir a morte dela.

"Tem de ser uma pessoa com muita força para lutar contra o resto da família", diz. O documento ficou pronto na semana passada.

Eliette Tranjan, 36, registrou seu documento há quase um mês. "Vivo em união estável. Ninguém poderia saber melhor minhas vontades do que o meu companheiro."

Ela não quer ser mantida viva por meios artificiais de alimentação por mais de seis meses e registrou a opção por não doar seus órgãos.

Já preparou documentos do tipo para seus clientes. "Mas nem todo mundo está aberto para falar da morte. Acham que é mau presságio."

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