São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINA

Capitã planeta

por HELIO HARA

Ela já foi "mãe ganso" e hoje é uma poderosa executiva de projetos ambientais

No verão de 1981, a mineira Rosa Lemos de Sá e o cientista austríaco Konrad Lorenz, ganhador do Nobel de Medicina de 1973, passavam o dia sentados em cabanas de madeira observando gansos. Em torno de sanduíches e ovos cozidos, eles trocavam idéias sobre o comportamento dessas aves, do nascimento à reprodução. Rosa, então uma jovem estudante de manejo da vida silvestre nos EUA, estagiava no centro de pesquisas do cientista, na Áustria. Sua missão era ser uma "mãe ganso": ao primeiro sinal de eclosão dos ovos numa incubadora, "conversava" com os bebês e era a primeira figura que viam ao nascer (Lorenz foi o criador do conceito de "imprinting", segundo o qual estímulos sonoros e visuais fazem os filhotes reconhecerem os pais). Os bichos a seguiam por todos os lados e, à noite, dormiam com ela na "cabana-ninho" de 2 m2. Com eles, Rosa aprendeu sons de chamado e de perigo.

"Quando começaram a voar, meus gansos foram adotados por um macho solteiro, com quem seguiam para dormir com o bando. Pela manhã, aproximavam-se voando em círculos. Eu os chamava com um grito, e, onde quer que estivesse, eles pousavam a meus pés. É uma sensação incrível essa comunicação com os animais", diz Rosa, que, quase três décadas depois, transformou-se numa das mais poderosas executivas de projetos ambientais do planeta, com orçamento anual de US$ 35 milhões na Fundação Moore, criada em 2001 pelo bilionário americano Gordon Moore, um dos fundadores da Intel.

Hoje, a "conversa" com os gansos ficou para trás, e os interlocutores são outros: quando nos encontramos em Belo Horizonte, onde visitava a família, ela se preparava para reuniões em Brasília que incluiriam representantes de ONGs, mas também grandes bancos e exportadores. O objetivo era tentar identificar os principais gargalos que emperram o crescimento da economia florestal na Amazônia, representada por itens como madeira oriunda de manejo de baixo impacto, móveis, óleos e produtos medicinais.

Para ter uma idéia do potencial desse mercado, em 2006, ele representou 3,7% do PIB (US$ 37,3 bilhões), e 7,3% das exportações (U$S 10,3 bilhões), segundo dados da Sociedade Brasileira de Silvicultura. Para o mercado mundial, estimado em mais de US$ 354 bilhões anuais (em 2000, segundo a FAO), são cifras ainda modestas. A idéia da Moore é criar uma economia com base no manejo florestal, sem incentivo, por exemplo, à produção de carvão ou celulose.

Rosa dirige o programa Andes- Amazônia da fundação Moore, que dispõe de US$ 6 bilhões em ativos e orçamento anual de US$ 300 milhões para projetos de meio ambiente, ciência e tecnologia. Apesar de o dono da Intel ocupar apenas o 288º lugar na lista dos homens mais ricos do mundo da revista "Forbes" -muito atrás de vários brasileiros-, a fundação é a maior investidora na Amazônia (numa área que envolve oito países e um território).

Para os que criticam o financiamento de projetos de conservação na Amazônia por capital estrangeiro, Rosa tem uma posição clara: "É o maior engano falar que apoiar a conservação é internacionalizar a floresta. Internacionalizar é vendê-la para a exploração de recursos e mandar a riqueza para fora do Brasil. Nós queremos manter a floresta de pé".

VIDA SELVAGEM

A trajetória da executiva é pontuada de acasos. Aos 15 anos, sem saber muito que caminho seguir, estudou dança na recém-criada escola da família Pederneiras, amigos de colégio que, mais tarde, formariam o Grupo Corpo. Numa conversa de bar com o cunhado americano que morava no Brasil, descobriu ser possível transformar em profissão o que via na TV.

"Assistia ao programa 'Wild Kingdom' (criado em 1962 nos EUA), queria fazer aquilo, mas achava que não existia como trabalho. Meu cunhado disse que havia um curso de manejo de vida silvestre nos EUA, e me deu um catálogo da universidade. Fiz o teste. Meu inglês estava abaixo da média, mas, para minha surpresa, fui aceita. Só quando estava me formando um diretor contou que eu fizera parte de um experimento. Ele queria provar que mesmo estrangeiros que não falassem bem o inglês poderiam ser admitidos, pois aprenderiam a língua e concluiriam o curso. Fui um experimento que deu certo!", conta.

Ao se formar, enfrentou um dilema: estava familiarizada com gansos europeus, coníferas americanas e a vida silvestre de países temperados, mas sabia muito pouco sobre o Brasil. Decidiu voltar e, num congresso em Belo Horizonte, descobriu uma nova paixão: os primatas. Depois de fazer parte de um estudo sobre esses mamíferos em Minas Gerais, surgiu a chance de participar de mais um projeto pioneiro: a primeira reintrodução do mico-leão-dourado no Brasil.

Acostumados à vida fácil, os bichos, nascidos no zoológico de Washington, não sabiam pular de galho em galho e não tinham musculatura definida. As tarefas de Rosa incluíam catar grilos para os micos e esconder alimentos em bromélias para que se acostumassem a buscá-los.

Rosa estudou ainda o mono-carvoeiro (o maior primata das Américas) em Minas Gerais e o impacto da usina de Samuel (em Rondônia) sobre a fauna local. Antes de assumir a direção na Moore, trabalhou por dez anos na WWF-Brasil, onde foi diretora de conservação.

Tantos acasos resultaram numa sólida experiência técnica e em gestão, que atraíram a atenção da Moore. Em San Francisco, o próprio Gordon Moore faz questão de ler cada um dos projetos apoiados pela fundação e tem particular interesse nos que afetam as áreas de várzea (ele é um pescador apaixonado, que já esteve na Amazônia).

Nas horas vagas, a bordo de um carro híbrido (elétrico e a gasolina), Rosa, que hoje vive em Palo Alto, na Califórnia, carrega as filhas de 15 e nove anos para o cinema e passeios. "Muitos me tratam hoje como celebridade. Não sou um gênio, ocupo um cargo privilegiado e sei que isso pode mudar. Quando acontecer, sei que deixarei de receber as centenas de mensagens que chegam por dia. Não sou eu, é o cargo", diz ela, que cria agora uma rede de parceiros de outras fundações. "Meu sonho é fazer a fundação de Bill Gates investir em saúde na Amazônia. Sem deixar a África, é claro."

Texto Anterior: FINO: Bruno Barreto, por Sérgio Rizzo
Próximo Texto: NO RIO: Modern Sound, por Heloisa Seixas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.