São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2011

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ENSAIO

Poesia concreta

por IWAN BAAN, texto FERNANDO SERAPIÃO

Iwan Baan ganha a vida registrando a arquitetura de vanguarda mundo afora e raramente fica mais de uma semana no mesmo continente. Sua proposta é única: mostrar como o espaço é usado, onde ele fica e o que está a seu redor

"Vivo em uma mala", brincou Iwan Baan ao telefone enquanto esperava um voo em alguma parte do mundo. A rotina deste fotógrafo holandês de 36 anos não tem parada: ele é um dos mais requisitados profissionais que ganham a vida registrando a arquitetura de vanguarda mundo afora e raramente fica mais de uma semana no mesmo continente. Suas fotos, além das revistas especializadas (como a italiana "Abitare" e a inglesa "Mark)", são encontradas nas páginas do "New York Times" e da "New Yorker".
E qual a razão da fama de Baan? Ironicamente, o fato dele não ser um tradicional fotógrafo do gênero, definido por lendas como o franco-húngaro Lucien Hervé ou o norte-americano Ezra Stoller (no Brasil, Marcel Gautherot foi o mestre). O objetivo usual deste tipo de fotógrafo é o registro do edifício de forma límpida, imaculada, com iluminação favorável e enquadramento perfeito. Pessoas? Só para dar a escala do edifício. "Eu faço documentação arquitetônica mas estou interessado em saber como o espaço é usado, onde ele fica e o que está ao redor", Baan se diferencia.
Seus ensaios usualmente contêm fotos aéreas, tiradas de helicóptero, e imagens que procuram inserir o edifício no contexto, procurando ângulos diferentes, de pontos distantes. Mas o eixo de sua obra é o movimento da vida cotidiana que usufrui o espaço. "Registro a vida tendo como pano de fundo as obras de arquitetura", conta. Para não chamar atenção e flagrar os instantâneos que deseja, ele não tem assistente e trabalha com uma Canon pequena, com lente 35 mm.
Baan recusa encomendas de grandes firmas e tem prazer de registrar construções fora do circuito, como na África e na América Latina, principalmente na Colômbia e Venezuela (enquanto fotografava o novo teleférico que transporta os moradores da favela de Caracas ele assustou-se ao ter uma arma apontada para sua cabeça). Ele também gosta de registrar as obras de profissionais pouco conhecidos, como as do japonês Sou Fujimoto.
Mas a maioria de seus trabalhos focam as obras de estrelas do mundo arquitetônico, como a anglo-iraquiana Zaha Hadid, os suíços Herzog & de Meron e o holandês Rem Koolhaas, responsável pelo ingresso dele neste universo. Baan já havia fotografado edifícios da maneira clássica ("foi chatíssimo") e procurava trabalho após ter passado uma temporada em Nova York fotografando para livros infantis quando leu na internet a notícia de que o escritório de Koolhaas havia pesquisado uma coleção de imagens sobre a história da Europa. Ele procurou o "enfant terrible" da arquitetura de nossa era e sugeriu transformar a coleção em um site interativo. A ideia não vingou mas Koolhaas o convidou para acompanhar a construção do projeto da sede da TV estatal chinesa, em Pequim. Para isso, por cinco anos ele foi uma vez a cada dois meses para a China. "Eu estava interessado em retratar os operários trabalhando", conta.
Verdade seja dita: as melhores fotos de Gautherot da construção de Brasília também revelam os trabalhadores em primeiro plano. E foi justamente em Brasília o único trabalho que Baan realizou no Brasil. O resultado foi publicado no final de 2010 em um livro editado pela suíça Lars Müller. O volume de fotos tem como tema a capital brasileira e Chandigarh (cidade indiana planejada por Le Corbusier). A imagem de um pipoqueiro com camisa amarela e chapéu preto em frente ao Congresso Nacional ilustra a capa. Nas páginas internas há dezenas de fotos do cotidiano brasiliense (entre elas, uma cena improvável: um homem de sunga branca caminha próximo ao Itamaraty enquanto outras pessoas conversam e falam ao telefone como se nada de anormal estivesse acontecendo).
"Estava mais interessado em retratar como as pessoas estão vivendo, mas, no Plano Piloto, senti falta de vida nas praças. Por outro lado, as cidades satélite são um exemplo da cultura sul-americana, cujo cotidiano acontece no exterior. A comunidade passa seus dias nas calçadas e as crianças brincam na rua", contou Baab pouco antes de chamarem seu voo.


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