São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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FINA

Para a ex-imperatriz do Irã, Farah Pahlavi, rainha posta não é rainha morta

por ANDREA MURTA, de WASHINGTON

JACKIE O. PERSA

Como vive, aos 71 anos, a ex-imperatriz do Irã Farah Pahlavi, exilada nos EUA

Quando a Revolução Islâmica a forçou, em 1979, a arrumar as malas e sair do Irã com o marido, o xá Mohammad Reza Pahlavi (1919-1980), a então imperatriz Farah Pahlavi deixou quase tudo para trás: roupas, livros, objetos pessoais. Quando [os revolucionários] entrassem no palácio, não queria que pensassem que fugimos levando nossas coisas", diria mais tarde. Tinha a esperança de retornar."
Os Pahlavi nunca mais pisaram no Irã. Assistiram de longe à sua monarquia autocrática ser substituída pela violenta teocracia dos aiatolás, hoje nas mãos do líder supremo Ali Khamenei.
Três décadas depois, nos arredores de Washington, nos EUA, e em Paris, onde mantém um luxuoso apartamento, a shahbanu" (imperatriz) Farah não desistiu. No dia em que eu voltar ao Irã, vou me ajoelhar e beijar o chão. Será um grande dia", disse à
Serafina. Farah ainda se sente uma rainha. 
Aos 71 anos, mantém aparência impecável. Em público, está sempre maquiada, muito rímel nos olhos amendoados, cabelos presos. Continua a ser chamada de sua majestade" pelos seguidores no exílio.
É claro que ela ainda se sente rainha", diz a cineasta iraniana Nahid Persson Sarvestani, que passou quase dois anos seguindo Farah para filmar o documentário A Rainha e Eu" (2008). Até hoje acha que seu filho mais velho [Reza Pahlavi 2º] voltará ao Irã para reinar como o pai", diz.
No filme, Sarvestani acompanha a shahbanu" ao Egito, onde está enterrado o xá. No mausoléu suntuoso, encontra dezenas de iranianos simpatizantes dos Pahlavi, que se ajoelham diante do túmulo do antigo governante e depois veneram a imperatriz.
Alguns iranianos que assistiram ao documentário choraram e me perguntaram, escandalizados, como eu podia não dizer ‘por favor, majestade’ sempre que me dirigia a ela", conta a diretora.
O círculo íntimo de Farah Pahlavi é muito deferente, formado em parte por monarquistas que a param nas ruas europeias e rezam pelo seu retorno ao país persa. A outra parte é de assistentes que trabalhavam para o xá antes da Revolução, como seu secretário pessoal, Kambiz Atabai.
Já idoso, Atabai continua defendo sua shahbanu" como leão de chácara, controlando o restritíssimo acesso à ex-rainha e lidando com a imprensa a partir de um escritório em Nova York.
Entre estrangeiros, são poucos os amigos que não viraram as costas a ela depois de 1979. Entre eles, o estilista Valentino, o ditador egípcio, Hosni Mubarak, e sua mulher, Suzanne.
Farah tinha 21 anos e estudava arquitetura em Paris quando foi escolhida pelo xá, em 1959, para ser sua terceira mulher. Ele tinha 40 anos e já se divorciara duas vezes.
Não foi um destino tão improvável, apesar de ela ser plebeia. Farah foi criada pela mãe, Farideh, após a morte do pai, Sohrab Diba, um capitão do Exército iraniano e advogado formado em Paris. A família, abastada, tinha laços com os Pahlavi.
A união foi pomposa. O vestido da noiva foi criado por Yves Saint Laurent, e o penteado, pelas irmãs Carita, do salão ainda famoso em Paris. A tiara, desenhada pelo americano Harry Winston com joias oficiais da coroa iraniana, pesava dois quilos.

ROCK EM TEERÃ
As grifes não foram coincidência –como o marido, a liberal Farah acreditava que a modernização do Irã significava sua consequente ocidentalização. A percebida subserviência aos EUA foi um dos fatores que alimentaram a oposição, ao lado da pobreza, da censura e da perseguição aos opositores.
Em suas memórias, Farah conta que, na juventude, ouvia Elvis Presley nas festas em Teerã. Patrona das artes, foi considerada a Jackeline Kennedy dos persas.
Mas esse mundo ruiu com a Revolução Islâmica. Desde a fuga até a morte do xá, vitimado por um câncer em julho de 1980,  Farah pulou de país em país como fardo diplomático". Passou meses entre Egito, Marrocos, Bahamas , México, EUA, Panamá.
A incômoda situação era também perigosa. Até hoje, os Pahlavi são ameaçados, e o exílio tornou o medo uma constante. Na França, onde passa a maior parte do tempo, o governo provê a Farah seus guarda-costas. Nos EUA, ela paga pelo serviço.
O cuidado vai além: toda correspondência é enviada para Nova York, apesar de Farah e seu filho mais velho terem casas na região de Potomac, em Maryland, a cerca de 30 km de Washington.

ENCONTRO SECRETO
Quando seu primogênito, Reza Pahlavi 2º, recebeu a reportagem de Serafina, os dois encontros aconteceram na casa de Saeed Ganji, secretário-geral da União Nacional pela Democracia do Irã, para que seu endereço permanecesse secreto. Periodicamente recebo alertas de que enviaram assassinos para nos matar", diz ele. Para Farah, a Revolução acabou com a vida da família inteira".
Entre os filhos, o impacto foi mais evidente em Leila, a filha caçula. Ela morreu em Londres, aos 31 anos, por uma overdose de tranquilizantes.
Desde que Pahlavi 2º completou 20 anos e sucedeu o pai, simbolicamente, no exílio, Farah minimizou sua atuação política, mas se mantém como  imagem da resistência monarquista. Os US$ 150 mil de adiantamento pagos por sua autobiografia, An Enduring Love: My Life with the Shah" (um amor duradouro: minha vida com o xá, ed. Miramax, 2004) foi um dos poucos pagamentos que recebeu por trabalho na vida. Ela diz que sobrevive hoje com o que resta do dinheiro e das joias que trouxe consigo ao fugir do Irã, além da ajuda de alguns compatriotas que defendem a causa monarquista.
Atualmente, sua rotina é dominada pelo atendimento aos iranianos que ainda lhe escrevem e pedem ajuda, pelos eventos de que participa pelo mundo e pelo apoio aos esforços do filho mais velho contra o atual regime.
O mais importante, para mim, é que o Irã se liberte, mantenha sua integridade territorial, respeite os direitos humanos e seja um Estado secular", diz ela. É assim que eu gostaria que meus filhos e netos enxergassem suas raízes."
Farah criou o ex-príncipe Reza Pahlavi 2º como se ainda fosse o herdeiro do trono. Aos 49 anos e fisicamente muito parecido com o xá, Pahlavi 2º diz que o apoio da mãe, inclusive financeiro, foi fundamental para que pudesse se concentrar apenas em política.
Após a morte do pai, ele passou a trabalhar como ativista: organiza encontros com líderes para discutir a situação no Irã, mantém contato com a oposição e viaja tentando angariar apoio contra os aiatolás.
O mundo faz críticas pontuais ao Irã, como a seu programa nuclear. No entanto, cedo ou tarde, terá de entender que o problema é o regime em si", diz.
Ele afirma que o irmãos que lhe restam, Farahnaz, 47, formada em psicologia, e o estudioso do Irã antigo Ali-Reza, 44, têm vidas discretas. Sobre a mãe, o ex-príncipe é só elogios. Ela é uma enciclopédia ambulante", diz. Pouca gente imagina quantas personalidades ela conheceu e o quão inteligente é."

Todo o charme da ex-rainha, no entanto, não sublimou o histórico polêmico. Como vai ser esse artigo?", perguntou a documentarista Sarvestani antes de aceitar dar entrevista. Você não pode se esquecer de que ela foi a mulher de um ditador.”

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